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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Um pouco dos nossos vizinhos

O ano está terminando e é nessas horas que você começa a rememorizar o que passou – chegando àquele balanço clássico: “esse foi um bom ano”, ou “que 2012 seja melhor”.  Isso me fez relembrar os primeiros dias de 2011: estive no norte da Argentina (Puerto Iguazu, que divide as cataratas com Foz do Iguaçu) e em Assunção (Paraguai). Em meio a esse trânsito, tive a minha primeira experiência efetiva com a música sulamericana.

Eu e meu tio viajávamos pelas fronteiras e conhecemos uma taxista argentina muy simpática. A conversa logo tomou o rumo usual da música.  Além de demonstrar seu gosto pelo que é produzido na nossa terra (que ia de Tom Jobim a Ivete Sangalo), o papo aguçou minha curiosidade a ponto de pedir algumas sugestões sobre músicas que ela gostava: a comunicativa senhora, sem delongas, lançou um som dançante no cd-player do Gol 1000: era cumbia, o som que predomina a parte do continente que fala espanhol. A partir daí, em meus passeios por Assunção, aproveitei para comprar uns cds de artistas regionais - que mais pareciam piratas, devido às  impressões toscas de suas capas. Mas o conteúdo valeu a pena.



Certamente esse texto não é um tratado da música sulamericana. ele não fará você sair sacando tudo dos "hermanos".  Ele vale, sim, como um incentivo: pararmos, algum tempo, de investir nas indústrias musicais que dominam o mercado, e “olharmos” para os lados.  Há muito o que conhecer e apreciar.

Sugiro começar como costumo fazer com estilos, ou qualquer movimento cultural, que eu tenho pouco conhecimento: vou à raíz, aos clássicos.  Por isso, acho válido comentar alguns ícones. Enquanto escrevo esse artigo, ouço Violeta Parra, por exemplo. Cantora chilena conhecida como a mais importante de seu país, conseguiu unir a canção folclórica a moldes populares. Suas composições são marcadas pelo engajamento político que embalou as revoluções latino-americanas. Duas de suas canções mais famosas, “Volver a los 17” e “Gracias a la Vida”, foram gravadas por Milton Nascimento (com Mercedes Sosa) e Elis Regina, respectivamente.

No continente, além da já comentada cumbia, há estilos muitos relevantes: o bullerengue, gênero difundido na Colômbia, que mistura danças somente entre mulheres e advindo das tradições africanas – sugiro as cantoras Petrona Martínez e Toto La Momposina. A tamborera, assim como o bullerengue, de origem venezuelana, mais um estilo de sonoridades percussivas que tem como berço a África - Gran Coquivacoa é o grupo de mais notoriedade. O vallenato é um som que poderia muito bem ser intitulado como o primo da música sertaneja: famoso por seus festivais anuais na Colômbia, é um estilo popular que tem o acordeon como principal instrumento.

Passando a uma seara mais conhecida, o tango. É fundamental comentar Astor Piazzolla. Entre todos os músicos sulamericanos, o argentino e seu bandoneón é o que mais me emociona. Piazzolla soube lidar com as tradições do tango, inovando-as rítmica e melodicamente, inventando o nuovotango. Quem tiver interesse no tango clássico, o documentário “Café dos Maestros” é uma boa sugestão: uma espécie de “Buena Vista Social Club” (filme do Wim Wenders sobre a velha guarda da música cubana) do gênero.


Charly García e seu bigode bicolor
Cumprindo um papel solene, é necessário abordar o estilo mais universal de todos. O Rock também tem sua devida importância. Dentre os vários músicos, o argentino Charly Garcia é o grande nome. Dono de uma personalidade intempestuosa - marcada pela depredação de diversos hoteis - sua carreira solo dura até hoje, embora Charly tenha liderado importantes grupos dos anos 70, como Sui Generis, La Máquina de Hacer Pájaros e a superbanda Serú Girán, conhecida como os “Beatles da Argentina” (embora eu acredite que a banda vá agradar àqueles que gostam de Queen).

Nas últimas décadas, grupos como Onda Vaga e Soda Stereo dominaram o mercado de rock alternativo da Argentina. A segunda, embora já tenha terminado, revelou ao mundo Gustavo Cerati, músico que transita no universo do rock eletrônico e produziu o eclético e recheado de particularidades “Bocanada” (álbum de 1999). Mas a miscelânea rock nos países sulamericanos, em geral, está atrelada a cumbia: Imperio Diablo (Argentina), Bareto (Peru) e Bomba Estéreo (Colombia) são só alguns exemplos de grupos.




Na música eletrônica ainda há aqueles que fundem estilos de maneira singular: Juana Molina – mais uma argentina, me parece o exemplo mais interessante. Entre as canções folclóricas do país e elementos sintéticos, ela cria uma sonoridade marcada por sobreposições, minimalismo e muita atmosfera. Na cumbia digital, Pedro Canale ou Chancha Vía Circuito (seu nome artístico) soa, de longe, como o mais curioso: o álbum Río Arriba (2010) flui entre uma gama de percussões artificiais e samples de artistas clássicos do continente, como o cantor José Larralde, que “empresta” a sua voz na faixa que abre o álbum (Quimey Neuquen - Chancha Vía Circuito Remix).

Para finalizar esse artigo, mais complexo de ser feito do que aparenta (minha vontade é de escrever um livro, criar um festival ou fazer um documentário sobre o assunto), comento o grupo Songoro Cosongo, um coletivo musical formado por artistas do Chile, Argentina, Colômbia, Venezuela e Brasil, que mora em Santa Teresa, bairro histórico do Rio de Janeiro. Além de encherem as casas de festas com seus shows, eles tem um bloco que movimenta milhares no carnaval carioca. Tocando o PsicoTropical Musik, gênero entitulado pelos próprios, creio que seja a síntese da difusão das sonoridade latinas no Brasil.


Bloco Carnavalesco Songoro Cosongo

Sinto-me obrigado a fazer uma discografia básica, para quem sentiu vontade de conhecer mais sons sulamericanos:

Violeta Parra – “Las últimas composiciones de Violeta Parra” (1966)
José Larralde – “Pa' que dentre” (1969)
Astor Piazolla – “Libertango” (1974)
Sui Generis – “Pequeñas anécdotas sobre las instituciones” (1974)
Serú Girán - “La grasa de las capitales” (1979)
León Giego – “4° LP” (1979)
Charly García – “Clics Modernos” (1983)
Charly García – “Piano Bar” (1984)
Astor Piazolla – “Tango: Zero Hour / Nuevo Tango: Hora Zero” (1986)
Soda Stereo – “Canción animal” (1990)
Totó la Momposina – “La candela viva” (1993)
Mercedes Sosa – “30 años” [Compilação] (1993)
Gustavo Cerati – “Bocanada” (1999)
Petrona Martínez – “Bonito que canta” (2002)
Jorge Drexler – “Eco” (2004)
Bareto – “Cumbia” (2008)
Onda Vaga – “Fuerte y caliente” (2008)
Juana Molina – “Un día” (2008)
Bomba Estéreo – “Estalla” (2008)
Chancha Vía Circuito – “Río Arriba” (2010)

3 comentários:

  1. De todas as referências, só conhecia o Piazzolla e Onda Vaga, o resto é tudo novidade.Amei o post e senti uma necessidade absurda de procurar essas músicas no Youtube!

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  2. Excelente lembrança do Charly Garcia: é triste assumir isso, mas no Brasil nunca tivemos um roqueiro tão talentoso quanto ele (Arnaldo Baptista e Raul Seixas, vai). Clics Modernos é possivelmente o melhor disco que eu ouvi na vida.

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  3. Caminhando por aí,
    achei esse site:
    http://www.soundsandcolours.com/the-best/the-best-music/sounds-and-colours-best-albums-of-2011/

    tem mais um bando de artistas incríveis (inclusive brasileños) desse ano aí pra todos nós conhecermos!

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