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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
Uma retrospectiva dos melhores discos de 2011
Nosso ano
Não me lembro de ter presenciado um ano tão rico na música brasileira. Uma série de músicos contemporâneos se lançou no mercado com belas obras, e nos 45 do segundo tempo ainda contamos com o refinado álbum da Gal Costa, em parceria com o Caetano (e seu filho Moreno Veloso). Já que preciso começar por alguém, a dupla vale a pena. O álbum “Recanto”, lançado no final do ano, consegue sintetizar muitas tendências da década: autotunes, batidão do funk e música eletrônica são elementos que orientam o álbum e dão uma mostra do que está em voga. A produção de Caetano, após acertar o tom em “Zii e Zie” (um dos seus melhores trabalhos recentes), é novamente certeira. Em ¨Recanto¨, ele demonstra suas convicções sobre a música atual na obra de Gal, que através de sua voz inconfundível se abre para um futuro maduro. “Miami Maculelê” e sua miscigenação percusiva, que une funk dos morros cariocas ao maculelê de Santo Amaro, bem que merecia ser um hit de verão.
Além de Gal, outra voz feminina ecoou em 2011: Juçara Marçal, ao lado do saxofonista Thiago França e do violonista Kiko Dinucci (guarde esse nome). O trio lançou o belíssimo álbum “Metá Metá” – que também dá nome ao coletivo musical. “Vale do Jucá”, canção do músico pernambucano Siba Veloso (Mestre Ambrosio e Siba e Fuloresta) apresenta com elegância o que virá: álbum que transita por uma MPB de qualidade, que ficou esquecida há alguns anos, e um afro-samba que parece nunca ter se firmado como um gênero musical popular – embora o termo esteja agregado à “boa MPB”. É difícil ouvir faixas como “Vias de Fato” e “Oranian” e não lembrar do álbum lendário de Vinicius de Moraes e Baden Powell. As qualidades musicais do trio paulista reanimam a tão empobrecida cena musical que é a MPB atual, que parecia bem próxima do seu enterro.
Vias de Fato by Metá Metá
Outro paulista que acertou os pontos em 2011 foi Romulo Fróes, que já havia chamado atenção da crítica especializada há dois anos com o álbum duplo “No Chão sem o Chão” (2009). Romulo aponta novos caminhos para o samba em “Um Labirinto Em Cada Pé”. Em uma obra bem mais homogênea melodicamente que a anterior, o artista busca influências que vão de Nelson Cavaquinho à Itamar Assumpção. Reinventando elementos do samba, como as marchinhas tortas em “Tua Beleza” e “Jardineira” (a segunda dialoga com “A Jardineira”, um clássico na voz de Orlando Silva). Narrando as estripulias de Jesus pelo Rio de Janeiro em “O filho de Deus”, consegue flertar com Itamar Assumpção e João Bosco. “Um Labirinto...” compõe um universo de tons cômicos e nonsense: elementos que andam carentes no país. O álbum ainda conta com a participação da dama do samba paulista Dona Inah e com Arnaldo Antunes, contribuindo no excelente samba-rap “Rap em Latim”.
Sobre os reis
Pois bem, um parágrafo dedicado a Romulo Fróes e outro a Kiko Dinucci não são suficientes. Antes do ano acabar, os amigos paulistas não se acomodaram com suas respectivas obras e resolveram reunir-se com o violonista Rodrigo Campos e com o baixista e produtor Marcelo Cabral para dar luz ao supergrupo Passo Torto. O resultado nada mais é do que uma obra-prima, sem tirar nem pôr. E meus elogios idiossincráticos não param por aí: o que esses músicos produzem é, provavelmente, a grande obra nacional do novo século – somente “Estudando o Pagode”, de Tom Zé, me vem a mente como possível concorrente.
Em arranjos traçados somente através das cordas dos violões, cavaquinho, contrabaixo, violino... o álbum é trabalhado com melodias graves transportando à uma sonoridade melodicamente densa. Subvertendo o samba, o Passo Torto tem uma consciência impressionante em lidar com toda uma tradição musical, respeitando-a mesmo quando suprimindo alguns dos elementos básicos do gênero - a percussão, por exemplo. Mas a obra transcende o samba, que funciona somente como um ponto de partida. Algumas letras são como contos sobre a cidade de São Paulo, que fariam João Antônio (contista brasileiro) se emocionar, e revelam um universo que se assemelha ao que Paulinho da Viola produziu em “Nervos de Aço” (1973). Me perdoem por não ficar citando faixas desse disco por aqui, afinal ele é basicamente recheado de pontos altos. Faço melhor passando o LINK para baixar “Passo Torto” direto do site oficial.
Em outros cantos
O ano sem dúvida foi lindo para o Brasil. Porém, é necessário comentar aquilo que valeu a pena pelos outros cantos do mundo. Começando por um álbum contestadíssimo pela crítica e o grande público: como já é lugar-comum, o grupo britânico Radiohead acertou. Após o eclético e “acessível” “In Rainbows” (2007), eles retornaram às experimentações eletrônicas que marcaram seus três álbuns antecessores. Marcado por uma maturidade admirável, “The King of Limbs” abre com o afrobeat “Bloom”, que dialoga com Flying Lotus (produtor americano); vai de encontro ao pop dançante de “Lotus Flower” (videoclipe que se tornou hit no youtube com as dancinhas de Thom), passando pela melancolia lo-fi de “Give Up The Ghost”, e fechando com a seca e direta “Separator”, faixa que contêm os versos “If you think this is over/ Then you're wrong” (Se você pensa que isso acabou / então você está errado), que deu margem para muitos acreditarem que as oitos faixas lançadas via internet no início do ano eram uma prévia... o disco físico não trouxe novidades e “The King of Limbs” foi considerado abaixo do nível da banda pelos fãs em geral.
Polêmicas à parte, vamos a uma cantora de renome que produziu um álbum bem aceito pela maioria: Kate Bush e seu “50 Words for Snow”, é invernal (como o título propõe) e seguro. Demarcado por uma média de faixas longas, Kate Bush traz algumas das melhores baladas de 2011 – como a que abre o disco “Snowflake”. Em geral, os arranjos são clássicos demarcados pelo piano e sua voz tão característica, mas também há espaço para uma levada retrô como “Wild Man, que faz lembrar o clássico álbum “Hounds of Love” (1985). Seu novo trabalho ainda traz o dueto da cantora com Elton John em “Snowed In At Wheeler Street”.
Em universo obscuro
Em um rápido passeio pela seara eletrônica, é possível citar três destaques - entre outros excelentes: os americanos FaltyDL, Machine Drum e o britânico Patten. Em caminhos distintos, Drew Lustman ou FaltyDL, como é chamado, revisita em “You Stand Uncertain”, alguns estilos eletrônicos que estiveram em alta nos últimos anos (house, techno, trip hop, entre outros). A polifonia é interpretada em timbres vivos e refrescantes, com uma variação percussiva magnífica. Já Machine Drum, ou Travis Stewart, vai beber no juke (estilo eletrônico difundido em Chicago, que surgiu junto com o estilo de dança footwork) para produzir “Room(s)”. O álbum brinca com as possibilidades vocais, além de trazer uma multiplicidade de movimentos percussivos que variam nas frequências mais distintas possíveis. “Come1” e “She Died There” são bons exemplos, sendo que a segunda música é uma das mais interessantes do ano. Por fim, o misterioso Patten traz um emaranhado de sensações em “GLAQJO XAACSSO”, título que faz lembrar as maluquíces do lendário produtor Aphex Twin, que tem elementos em comum com a obra em questão. Patten sobrepõe timbres, varia frequências rítmicas, insere vocais picotados e nebulosos... Propõe uma gama de estilos musicais que elevam as sensações a um estado único: IDM, Shoegaze e Techno, todos em um mesmo pacote. Eu diria que esse indivíduo, que se mantém no anonimato, lançou o trabalho mais conciso da música eletrônica em 2011.
Machinedrum - She Died There by Mellow Yello
No hip hop, as obras mais produtivas saíram da seara experimental. A dupla Shabazz Palaces trouxe camadas de sintetizadores para realizar “Black Up”, um álbum que atravessa as principais influências do hip hop (soul, jazz, afro-music) sem soar semelhante à absolutamente nada gerado esse ano. Na outra esquina, o baterista de noise rock Zach Hill resolveu investir em um projeto de hip hop com outros rappers, um resultado mais acertivo que em seus trabalhos solos: Death Grips e seu “Exmilitary” contém a densidade de um álbum de Punk Rock, muitas vezes toma emprestado samples do gênero. É agressivo e anárquico, em certos momentos de maneira demasiada (como o discurso do psicopata Charlie Manson na faixa que abre o álbum “Beware”).
Retornando a terra firme
Sobra a esse capítulo sublinhar artistas e grupos que lançaram trabalhos de excelência, porém, que não estão listados entre os ditos melhores do ano.
Retomando meus elogios ao Brasil, os cariocas Domenico e Kassin, que até outro dia trabalhavam em conjunto com Moreno Veloso (nos projetos +2), lançaram belos trabalhos solos. O rapper Criolo, que surge em todas as listas das revistas conceituadas, produziu um álbum eclético que reflete as origens musicais da cidade de São Paulo, dialogando com Adoniran Barbosa (“Subirusdoistiozin”), além de fazer referências à cultura pop nostálgica, citando o super-herói japonês Lion Man, exibido na TV nos anos 90. O grupo paulista Bixiga 70, em seu afrobeat, não trouxe novidades, mas produziu um disco dançante, em harmonia com o estilo que está em alta nas festas do eixo Rio - São Paulo. Fábio Andrade, sob o pseudônimo de Driving Music, trouxe “Comic Sans”, cantado em inglês. O músico explora o universo indie pop – excessivamente investido, mas tão pouco qualificado nos últimos tempos. Inclusive, “Comic Sans” merece mais elogios que os trabalhos recentes das suas principais influências: Wilco, Yo La Tengo, Sondre Lerche, e por aí vai...
Driving Music - Orange Traffic Cones by Driving Music
Ainda é possível citar uma leva de artistas e encontros míticos que funcionaram: “Watch the Throne “, de Jay-Z & Kanye West enriquecendo o hip hop; “Pinch & Shackleton”, dos próprios produtores de dubstep (subgênero da música eletrônica). Embora o Rock esteja há cada ano mais escasso, devido a falta de renovação, Girls buscou elementos em grupos de power pop como Teenage Fanclub e Big Star para gerar o homônimo álbum de amores impossíveis - é difícil encontrar algo tão romântico e sincero atualmente. Bon Iver, deixou de ser one man band, para gerar “Bon Iver”, rumando para outras direções e retirando em parte o estigma introspectivo do primeiro disco e EP. Em um Blues Rock direto e com tons de diversão, The Black Keys produziu, provavelmente, seu melhor álbum: “El Camino”. Não menos importante, muito pelo contrário, dinossauros da música também deram suas contribuições em 2011: “Bad as Me”, de Tom Waits; “Hot Sauce Committee Part Two”, dos Beastie Boys; “Ersatz G.B.”, do Mark E. Smith e seu The Fall.
Apêndice
Aos que não mereceram elogios, os tomates. Algumas derrapadas e decepções de gente grande: a "sempre" inovadora Björk, parece que não consegue lançar mais nada tão atraente desde "Medúlla" (2004): "Biophilia" é insosso, e se restringe a assimilar inventividades que já foram muito mais bonitas em tempos idos - vide "Homogenic" (1997) e "Vespertine" (2001). Embora eu não seja um entusiasta do som deles, o "Suck It and See", último disco do Arctic Monkeys só "ousa" mesmo no título do disco: é provavelmente o trabalho mais preguiçoso do grupo, que estourou na segunda metade da década passada. Mais um que parece ter desistido de ousar é o grande Chico Buarque, que repetiu a falta de brilhantismo do "Carioca" (2006)... ok, ainda sim "Chico" é mais competente.
Na vala musical, uma variedade incrível de artistas que um dia acertaram a mão - espera-se que ainda retornem ao mundo dos vivos. "I'm with you", do Red Hot Chili Peppers; "Mirror Traffic", de Stephen Malkmus; "O que Você Quer Saber de Verdade", de Marisa Monte; "Tomboy", de Panda Bear; "Angles", do The Strokes; "Mylo Xyloto", do Coldplay.
Assim, fecha-se um ano gratificante e poderoso para a música nacional, que parece estar se renovando. Após a leitura, penso que é desnecessário explicar que todas as palavras acima refletem a minha opinião - obviamente pode dar muito pano pra manga e discussão! Para não deixá-los sem as cerejas do bolo, segue o famoso “top 10” – algo totalmente divertido de ser feito, que de maneira alguma deve ser levado ao pé da letra.
Os dez melhores álbuns de 2011 -
01. “Passo Torto”, do Passo Torto
02. “King of Limbs”, do Radiohead
03. “GLAQJO XAACSSO”, de Patten
04. “Metá Metá”, do Metá Metá
05. “Room(s)”, de Machine Drum
06. “Black Up”, do Shabazz Palaces
07. “Recanto”, de Gal Costa
08. “Exmilitary”, do Death Grips
09. “50 Words for Snow”, de Kate Bush
10. “Um Labirinto em Cada Pé”, de Romulo Fróes
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
Um clássico instantâneo, de 1894
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Fabricando Frases
Depois que o “marreta” Janu sugeriu, no último AlCast, a criação de um armazém de objetos com frases, não pude deixar de idealizar essa grande ideia.
Imagine só: uma lojinha pequena, com cara de boutique francesa, repleta de quinquilharias separadas não por cores, gênero ou ramo de utilidade - mas por frases.
Na entrada dessa lojinha, que se chamaria “No tempo da Delicadeza”, em homenagem a Chico Buarque – haveria uma placa, dessas que só são vistas quando já estamos do lado de dentro, prontos para ir embora: “Gentileza gera Gentileza”, nos traços em verde e amarelo característicos do Profeta. O gerente usaria, para combinar (secretamente), uma cueca com os dizeres: “Gente lesa gera gente lesa”.
Nos corredores da loja - no máximo três, apertados, mas razoavelmente iluminados - prateleiras com plaquinhas de madeira organizariam (mais ou menos) os setores:
Em um canto, uma placa diria “Subjetivação de Objetos - inclusive sorrisos”. O trecho do poema “Operação Alma”, de Mario Quintana, sugere uma prateleira sem lé com cré, mas com um pouco de tudo:
Lembrancinhas baratas, como chaveirinhos de plástico em forma de caveira trariam escrito “ser ou não ser, eis a questão”. Canecas de chopp, feitas de alumínio, ficariam ótimas nessa sessão, acompanhadas do famoso trecho de Chico Buarque, que diz “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”.
Ao lado das canecas, pacotes de camisinhas - com embalagem verde fluorescente - trariam a frase “Não adianta nem tentar me esquecer”, do Rei Roberto.
Ainda na área de souvenirs, uma para quebrar a cabeça, de Fernando Pessoa: “Querer não é poder. Quem pode, quis antes de poder só depois de poder. Quem quer nunca há-de poder, porque se perde em querer”. Essa ficaria ótima em imãs de geladeira.
Num outro canto dessa loja - não tão longe, pela própria limitação de espaço - uma placa florida advertiria o começo de uma nova prateleira: “O segredo é não correr atrás das borboletas... É cuidar do jardim para que elas venham até você”. O trecho seria perfeito para um kit de jardinagem. Aliás, essas palavras são conhecidas popularmente como sendo de Mario Quintana mas, na verdade, tem autoria desconhecida.
Logo ao lado e um pouco sujos de poeira, vasinhos de cerâmica azul-claro com estrelas amarelas, lembrando as ilustrações do livro “O Pequeno Príncipe”, teriam a frase “ Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.- cultivas”.
Nas prateleiras mais escondidas, diários trariam na capa “Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas”, a verdade nua e crua de Clarice Lispector. Em um outro diário, daqueles com mini-cadeado e chaves douradas, a pergunta enigmática de João Camilo: “Quem sabe o segredo mais secreto da existência de cada um?”
Num ponto mais afastado, uma nova prateleira. Dessa vez, com plaquinha de inscrições borradas. No centro, estaria um kit para vudu, com as palavras dramáticas de Caetano Veloso “Um amor assim delicado, você pega e despreza”.
Logo em frente, um folheto aparentemente sem utilidade diria “Oferece-se desespero em excelente estado”, de Kiki Dimoulá, mas sem telefone para contato.
Na prateleira de baixo, já bem próxima à porta de saída, uma placa alarmante: “Feia como um bode, teve um alegre enterro”. O trecho é do poema “Os desastres da boneca de Sofia”, de Adília Lopes. Os produtos dessa sessão seriam daqueles dietéticos, reservados aos neuróticos contadores de calorias. No rótulo, no entanto, um aviso de Clarice Lispector, em letras garrafais, lembrando até as advertências nos pacotes de cigarro: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”
Ao invés do tradicional “Volte Sempre” pregado à porta, essa lojinha teria uma placa diferente, em que novas frases pudessem ser escritas a cada dia. Para a estreia, escolheria uma frase bem curtinha, mas poderosa. “Para viajar, basta existir”, de Fernando Pessoa. Exatamente como esse post.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
Um pouco dos nossos vizinhos
Eu e meu tio viajávamos pelas fronteiras e conhecemos uma taxista argentina muy simpática. A conversa logo tomou o rumo usual da música. Além de demonstrar seu gosto pelo que é produzido na nossa terra (que ia de Tom Jobim a Ivete Sangalo), o papo aguçou minha curiosidade a ponto de pedir algumas sugestões sobre músicas que ela gostava: a comunicativa senhora, sem delongas, lançou um som dançante no cd-player do Gol 1000: era cumbia, o som que predomina a parte do continente que fala espanhol. A partir daí, em meus passeios por Assunção, aproveitei para comprar uns cds de artistas regionais - que mais pareciam piratas, devido às impressões toscas de suas capas. Mas o conteúdo valeu a pena.
Certamente esse texto não é um tratado da música sulamericana. ele não fará você sair sacando tudo dos "hermanos". Ele vale, sim, como um incentivo: pararmos, algum tempo, de investir nas indústrias musicais que dominam o mercado, e “olharmos” para os lados. Há muito o que conhecer e apreciar.
Sugiro começar como costumo fazer com estilos, ou qualquer movimento cultural, que eu tenho pouco conhecimento: vou à raíz, aos clássicos. Por isso, acho válido comentar alguns ícones. Enquanto escrevo esse artigo, ouço Violeta Parra, por exemplo. Cantora chilena conhecida como a mais importante de seu país, conseguiu unir a canção folclórica a moldes populares. Suas composições são marcadas pelo engajamento político que embalou as revoluções latino-americanas. Duas de suas canções mais famosas, “Volver a los 17” e “Gracias a la Vida”, foram gravadas por Milton Nascimento (com Mercedes Sosa) e Elis Regina, respectivamente.
No continente, além da já comentada cumbia, há estilos muitos relevantes: o bullerengue, gênero difundido na Colômbia, que mistura danças somente entre mulheres e advindo das tradições africanas – sugiro as cantoras Petrona Martínez e Toto La Momposina. A tamborera, assim como o bullerengue, de origem venezuelana, mais um estilo de sonoridades percussivas que tem como berço a África - Gran Coquivacoa é o grupo de mais notoriedade. O vallenato é um som que poderia muito bem ser intitulado como o primo da música sertaneja: famoso por seus festivais anuais na Colômbia, é um estilo popular que tem o acordeon como principal instrumento.
Passando a uma seara mais conhecida, o tango. É fundamental comentar Astor Piazzolla. Entre todos os músicos sulamericanos, o argentino e seu bandoneón é o que mais me emociona. Piazzolla soube lidar com as tradições do tango, inovando-as rítmica e melodicamente, inventando o nuovotango. Quem tiver interesse no tango clássico, o documentário “Café dos Maestros” é uma boa sugestão: uma espécie de “Buena Vista Social Club” (filme do Wim Wenders sobre a velha guarda da música cubana) do gênero.
Charly García e seu bigode bicolor
Cumprindo um papel solene, é necessário abordar o estilo mais universal de todos. O Rock também tem sua devida importância. Dentre os vários músicos, o argentino Charly Garcia é o grande nome. Dono de uma personalidade intempestuosa - marcada pela depredação de diversos hoteis - sua carreira solo dura até hoje, embora Charly tenha liderado importantes grupos dos anos 70, como Sui Generis, La Máquina de Hacer Pájaros e a superbanda Serú Girán, conhecida como os “Beatles da Argentina” (embora eu acredite que a banda vá agradar àqueles que gostam de Queen).
Nas últimas décadas, grupos como Onda Vaga e Soda Stereo dominaram o mercado de rock alternativo da Argentina. A segunda, embora já tenha terminado, revelou ao mundo Gustavo Cerati, músico que transita no universo do rock eletrônico e produziu o eclético e recheado de particularidades “Bocanada” (álbum de 1999). Mas a miscelânea rock nos países sulamericanos, em geral, está atrelada a cumbia: Imperio Diablo (Argentina), Bareto (Peru) e Bomba Estéreo (Colombia) são só alguns exemplos de grupos.
Na música eletrônica ainda há aqueles que fundem estilos de maneira singular: Juana Molina – mais uma argentina, me parece o exemplo mais interessante. Entre as canções folclóricas do país e elementos sintéticos, ela cria uma sonoridade marcada por sobreposições, minimalismo e muita atmosfera. Na cumbia digital, Pedro Canale ou Chancha Vía Circuito (seu nome artístico) soa, de longe, como o mais curioso: o álbum Río Arriba (2010) flui entre uma gama de percussões artificiais e samples de artistas clássicos do continente, como o cantor José Larralde, que “empresta” a sua voz na faixa que abre o álbum (Quimey Neuquen - Chancha Vía Circuito Remix).
Para finalizar esse artigo, mais complexo de ser feito do que aparenta (minha vontade é de escrever um livro, criar um festival ou fazer um documentário sobre o assunto), comento o grupo Songoro Cosongo, um coletivo musical formado por artistas do Chile, Argentina, Colômbia, Venezuela e Brasil, que mora em Santa Teresa, bairro histórico do Rio de Janeiro. Além de encherem as casas de festas com seus shows, eles tem um bloco que movimenta milhares no carnaval carioca. Tocando o PsicoTropical Musik, gênero entitulado pelos próprios, creio que seja a síntese da difusão das sonoridade latinas no Brasil.
Bloco Carnavalesco Songoro Cosongo
Sinto-me obrigado a fazer uma discografia básica, para quem sentiu vontade de conhecer mais sons sulamericanos:
Violeta Parra – “Las últimas composiciones de Violeta Parra” (1966)
José Larralde – “Pa' que dentre” (1969)
Astor Piazolla – “Libertango” (1974)
Sui Generis – “Pequeñas anécdotas sobre las instituciones” (1974)
Serú Girán - “La grasa de las capitales” (1979)
León Giego – “4° LP” (1979)
Charly García – “Clics Modernos” (1983)
Charly García – “Piano Bar” (1984)
Astor Piazolla – “Tango: Zero Hour / Nuevo Tango: Hora Zero” (1986)
Soda Stereo – “Canción animal” (1990)
Totó la Momposina – “La candela viva” (1993)
Mercedes Sosa – “30 años” [Compilação] (1993)
Gustavo Cerati – “Bocanada” (1999)
Petrona Martínez – “Bonito que canta” (2002)
Jorge Drexler – “Eco” (2004)
Bareto – “Cumbia” (2008)
Onda Vaga – “Fuerte y caliente” (2008)
Juana Molina – “Un día” (2008)
Bomba Estéreo – “Estalla” (2008)
Chancha Vía Circuito – “Río Arriba” (2010)
domingo, 11 de dezembro de 2011
O Poder das Invocações Mágicas
Pensava também a respeito de sua identidade mágica ser um segredo, somente revelado à Mentor, Feiticeira e Gorpo. Será que ninguém ouvia aquele moço de colete vinho e calça de lycra roxa gritando todos os dias a plenos pulmões que tinha a força? Certamente a vizinhança sabia, mas não comentava, já que ele ensinava ética e moral para as crianças de Etérnia.
Justamente por agir como um xerife de sua terra, que se contenta em frustrar os repetidos planos de seus algozes, mas é incapaz de encarcerá-los, que He-Man é peculiar. Ele sabe que está no topo da pirâmide por ser o homem mais poderoso do universo, possuir conhecimentos secretos e não precisar tirar uma única gota de sangue de alguém para se fazer entender. Mesmo em situações de extremo perigo, seus amigos aparecem para salvar o dia. Não dá para competir com um sujeito assim, já que Esqueleto e Hordak não têm ninguém, só capangas que obedecem por medo e respeito. Além disso, Adam sabe perdoar os malfeitores, ainda que estes nunca mudem suas maneiras.
Já outro desenho dos anos oitenta coloca uma equipe de fugitivos numa posição muito mais vulnerável. A bordo da nave-mãe, os sobreviventes dos ataques à Thundera pelos mutantes Plun-Darr, fogem para o Terceiro Mundo e vêem seu planeta ser completamente destruído. Eles escapam com a Espada Justiceira, uma arma mágica detentora do Olho de Thundera, artefato encrustado no cabo da lâmina capaz de fazer de Lion-O um guerreiro de verdade. Semelhante à Espada do Poder, a Espada Justiceira também precisa de um acompanhamento vocálico para atingir seu potencial máximo:
Mas por que só repetíamos as palavras de Lion-O e não as do Príncipe Adam, visto que gostávamos dos dois desenhos na mesma medida? Revendo os episódios há pouco tempo, lembrei de um fato importantíssimo. Lion-O foge da destruição de Thundera com seus amigos ainda criança, e a viagem para o Terceiro Mundo leva décadas. O herói adormece dentro de uma câmara criogênica, que falha em parar seu envelhecimento, ou seja, ao chegar ao destino final, Lion-O continua tendo a mente jovem, mas no corpo de um adulto.
A figura de Mumm-Ra, o vilão de voz cavernosa e amedrontadora também sofria uma mutação a partir de uma longa invocação que o fazia ganhar corpo musculoso e um poder descomunal:
“Antigos espíritos do mal, transformem esta forma decadente em Mumm-Rá, o de vida eterna!” também repetíamos o que Mumm-Rá dizia, mas por nos vangloriarmos em termos decorado cada palavra dita, dia após dia.
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
Frases de Cinema
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
AlCast 006: Frases, lemas e bordões.
Lunáticos, ouvintes e leitores, está no ar o sexto episódio do AlCast! Nesta semana, Janu, Juliana Giglio, Thiago Ortman e Mariana Negreiros falam sobre frases, lemas e bordões.
Lembrando que, caso você queira participar via Skype do próximo AlCast, tudo o que você precisa fazer é deixar seu contato nos comentários.
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Os ditos de um velho patife
Lazarus Long é o mais usual dos muitos nomes assumidos por Woodrow Wilson Smith ao longo de seus mais de 2 mil anos de vida. Ele nasceu em 1912 e pertence à terceira geração de uma experiência de eugenia que visava o prolongamento da vida humana. Caso único entre as outras cobaias geradas pela experiência, sua vida foi estendida ainda mais por técnicas de rejuvenescimento descobertas séculos mais tarde.
Lazarus faz sua estreia no livro “Os Filhos de Matusalém”, tem sua vida esmiuçada em “Amor Sem Limites” e é um personagem secundário em “The Number of the Beast” (“O Número do Monstro”, lançado apenas em Portugal), “O Gato que Atravessa Paredes” e “The Sail Beyond the Sunset”, o último livro de Heinlein publicado em vida. A fama do personagem é tão grande entre os fãs de FC que dois intervalos de “Amor Sem Limites”, reunindo citações, lições de vida, aforismos e algumas de suas considerações filosóficas, formaram uma obra à parte: “The Notebooks of Lazarus Long”, usado como livro de cabeceira por muita gente. As frases de Lazarus Long contidas nesta obra dizem muito de seu caráter e de seu sucesso.
“De todos os crimes estranhos sobre os quais os seres humanos legislaram a partir do nada, a “blasfêmia” é o mais espantoso – com a “obscenidade” e a “exposição indecente” lutando pelos segundo e terceiros lugares”.
“Você pode ter paz. Ou ter liberdade. Não espere nunca ter ambas ao mesmo tempo”.
“Quando um lugar fica suficientemente cheio de gente para exigir carteiras de identidade, o colapso social não está longe. É hora de ir para outro lugar. A melhor coisa da viagem espacial é que ela torna possível ir para algum outro lugar”.
“A verdade de uma proposição nada tem a ver com sua credibilidade. E vice-versa”.
“A gente vive e aprende. Ou não vive muito”.
“Diga sempre que ela é linda, especialmente se ela não for”.