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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Uma retrospectiva dos melhores discos de 2011

Sempre fui um entusiasta das listinhas de final de ano: comentava álbum por álbum em ordem de preferência (uma insanidade sadia). Como 2011 foi um ano diferente, mudarei minha “rotina”, e vou destacar o que valeu a pena – em parágrafos, para facilitar a minha e a sua vida. Mas não estranhe, lá no final você vai encontrar a famosa listinha.


Nosso ano

Não me lembro de ter presenciado um ano tão rico na música brasileira. Uma série de músicos contemporâneos se lançou no mercado com belas obras, e nos 45 do segundo tempo ainda contamos com o refinado álbum da Gal Costa, em parceria com o Caetano (e seu filho Moreno Veloso). Já que preciso começar por alguém, a dupla vale a pena. O álbum “Recanto”, lançado no final do ano, consegue sintetizar muitas tendências da década: autotunes, batidão do funk e música eletrônica são elementos que orientam o álbum e dão uma mostra do que está em voga. A produção de Caetano, após acertar o tom em “Zii e Zie” (um dos seus melhores trabalhos recentes), é novamente certeira. Em ¨Recanto¨, ele demonstra suas convicções sobre a música atual na obra de Gal, que através de sua voz inconfundível se abre para um futuro maduro. “Miami Maculelê” e sua miscigenação percusiva, que une funk dos morros cariocas ao maculelê de Santo Amaro, bem que merecia ser um hit de verão.

Além de Gal, outra voz feminina ecoou em 2011: Juçara Marçal, ao lado do saxofonista Thiago França e do violonista Kiko Dinucci (guarde esse nome). O trio lançou o belíssimo álbum “Metá Metá” – que também dá nome ao coletivo musical. “Vale do Jucá”, canção do músico pernambucano Siba Veloso (Mestre Ambrosio e Siba e Fuloresta) apresenta com elegância o que virá: álbum que transita por uma MPB de qualidade, que ficou esquecida há alguns anos, e um afro-samba que parece nunca ter se firmado como um gênero musical popular – embora o termo esteja agregado à “boa MPB”. É difícil ouvir faixas como “Vias de Fato” e “Oranian” e não lembrar do álbum lendário de Vinicius de Moraes e Baden Powell. As qualidades musicais do trio paulista reanimam a tão empobrecida cena musical que é a MPB atual, que parecia bem próxima do seu enterro.

Vias de Fato by Metá Metá

Outro paulista que acertou os pontos em 2011 foi Romulo Fróes, que já havia chamado atenção da crítica especializada há dois anos com o álbum duplo “No Chão sem o Chão” (2009).  Romulo aponta novos caminhos para o samba em “Um Labirinto Em Cada Pé”. Em uma obra bem mais homogênea melodicamente que a anterior, o artista busca influências que vão de Nelson Cavaquinho à Itamar Assumpção. Reinventando elementos do samba, como as marchinhas tortas em “Tua Beleza” e “Jardineira” (a segunda dialoga com “A Jardineira”, um clássico na voz de Orlando Silva).  Narrando as estripulias de Jesus pelo Rio de Janeiro em “O filho de Deus”, consegue flertar com Itamar Assumpção e João Bosco.  “Um Labirinto...” compõe um universo de tons cômicos e nonsense: elementos que andam carentes no país. O álbum ainda conta com a participação da dama do samba paulista Dona Inah e com Arnaldo Antunes, contribuindo no excelente samba-rap “Rap em Latim”.


Sobre os reis

Pois bem, um parágrafo dedicado a Romulo Fróes e outro a Kiko Dinucci não são suficientes. Antes do ano acabar, os amigos paulistas não se acomodaram com suas respectivas  obras e resolveram reunir-se com o violonista Rodrigo Campos e com o baixista e produtor Marcelo Cabral para dar luz ao supergrupo Passo Torto. O resultado nada mais é do que uma obra-prima, sem tirar nem pôr. E meus elogios idiossincráticos não param por aí: o que esses músicos produzem é, provavelmente, a grande obra nacional do novo século – somente “Estudando o Pagode”, de Tom Zé, me vem a mente como possível concorrente.

Em arranjos traçados somente através das cordas dos violões, cavaquinho, contrabaixo, violino... o álbum é trabalhado com melodias graves transportando à uma sonoridade melodicamente densa. Subvertendo o samba, o Passo Torto tem uma consciência impressionante em lidar com toda uma tradição musical, respeitando-a mesmo quando suprimindo alguns dos elementos básicos do gênero - a percussão, por exemplo. Mas a obra transcende o samba, que funciona somente como um ponto de partida. Algumas letras são como contos sobre a cidade de São Paulo, que fariam João Antônio (contista brasileiro) se emocionar, e revelam um universo que se assemelha ao que Paulinho da Viola produziu em “Nervos de Aço” (1973). Me perdoem por não ficar citando faixas desse disco por aqui, afinal ele é basicamente recheado de pontos altos. Faço melhor passando o LINK para baixar “Passo Torto” direto do site oficial.


Em outros cantos

O ano sem dúvida foi lindo para o Brasil. Porém, é necessário comentar aquilo que valeu a pena pelos outros cantos do mundo. Começando por um álbum contestadíssimo pela crítica e o grande público: como já é lugar-comum, o grupo britânico Radiohead acertou. Após o eclético e “acessível” “In Rainbows” (2007), eles retornaram às experimentações eletrônicas que marcaram seus três álbuns antecessores. Marcado por uma maturidade admirável, “The King of Limbs” abre com o afrobeat “Bloom”, que dialoga com Flying Lotus (produtor americano); vai de encontro ao pop dançante de “Lotus Flower” (videoclipe que se tornou hit no youtube com as dancinhas de Thom), passando pela melancolia lo-fi de “Give Up The Ghost”, e fechando com a seca e direta “Separator”, faixa que contêm os versos “If you think this is over/ Then you're wrong” (Se você pensa que isso acabou / então você está errado), que deu margem para muitos acreditarem que as oitos faixas lançadas via internet no início do ano eram uma prévia... o disco físico não trouxe novidades e “The King of Limbs” foi considerado abaixo do nível da banda pelos fãs em geral.

Polêmicas à parte, vamos a uma cantora de renome que produziu um álbum bem aceito pela maioria: Kate Bush e seu “50 Words for Snow”, é invernal (como o título propõe) e seguro. Demarcado por uma média de faixas longas, Kate Bush traz algumas das melhores baladas de 2011 – como a que abre o disco “Snowflake”. Em geral, os arranjos são clássicos demarcados pelo piano e sua voz tão característica, mas também há espaço para uma levada retrô como “Wild Man, que faz lembrar o clássico álbum “Hounds of Love” (1985). Seu novo trabalho ainda traz o dueto da cantora com Elton John em “Snowed In At Wheeler Street”.


Em universo obscuro

Em um rápido passeio pela seara eletrônica, é possível citar três destaques - entre outros excelentes: os americanos FaltyDL, Machine Drum e o britânico Patten. Em caminhos distintos, Drew Lustman ou FaltyDL, como é chamado, revisita em “You Stand Uncertain”, alguns estilos eletrônicos que estiveram em alta nos últimos anos (house, techno, trip hop, entre outros). A polifonia é interpretada em timbres vivos e refrescantes, com uma variação percussiva magnífica. Já Machine Drum, ou Travis Stewart, vai beber no juke (estilo eletrônico difundido em Chicago, que surgiu junto com o estilo de dança footwork) para produzir “Room(s)”. O álbum brinca com as possibilidades vocais, além de trazer uma multiplicidade de movimentos percussivos que variam nas frequências mais distintas possíveis. “Come1” e “She Died There” são bons exemplos, sendo que a segunda música é uma das mais interessantes do ano. Por fim, o misterioso Patten traz um emaranhado de sensações em “GLAQJO XAACSSO”, título que faz lembrar as maluquíces do lendário produtor Aphex Twin, que tem elementos em comum com a obra em questão. Patten sobrepõe timbres, varia frequências rítmicas, insere vocais picotados e nebulosos... Propõe uma gama de estilos musicais que elevam as sensações a um estado único: IDM, Shoegaze e Techno, todos em um mesmo pacote. Eu diria que esse indivíduo, que se mantém no anonimato, lançou o trabalho mais conciso da música eletrônica em 2011.

Machinedrum - She Died There by Mellow Yello


No hip hop, as obras mais produtivas saíram da seara experimental. A dupla Shabazz Palaces trouxe camadas de sintetizadores para realizar “Black Up”, um álbum que atravessa as principais influências do hip hop (soul, jazz, afro-music) sem soar semelhante à absolutamente nada gerado esse ano. Na outra esquina, o baterista de noise rock Zach Hill resolveu investir em um projeto de hip hop com outros rappers, um resultado mais acertivo que em seus trabalhos solos: Death Grips e seu “Exmilitary” contém a densidade de um álbum de Punk Rock, muitas vezes toma emprestado samples do gênero. É agressivo e anárquico, em certos momentos de maneira demasiada (como o discurso do psicopata Charlie Manson na faixa que abre o álbum “Beware”).


Retornando a terra firme

Sobra a esse capítulo sublinhar artistas e grupos que lançaram trabalhos de excelência, porém, que não estão listados entre os ditos melhores do ano.

Retomando meus elogios ao Brasil, os cariocas Domenico e Kassin, que até outro dia trabalhavam em conjunto com Moreno Veloso (nos projetos +2), lançaram belos trabalhos solos. O rapper Criolo, que surge em todas as listas das revistas conceituadas, produziu um álbum eclético que reflete as origens musicais da cidade de São Paulo, dialogando com Adoniran Barbosa (“Subirusdoistiozin”), além de fazer referências à cultura pop nostálgica, citando o super-herói japonês Lion Man, exibido na TV nos anos 90. O grupo paulista Bixiga 70, em seu afrobeat, não trouxe novidades, mas produziu um disco dançante, em harmonia com o estilo que está em alta nas festas do eixo Rio - São Paulo. Fábio Andrade, sob o pseudônimo de Driving Music, trouxe “Comic Sans”, cantado em inglês.  O músico explora o universo indie pop – excessivamente investido, mas tão pouco qualificado nos últimos tempos. Inclusive, “Comic Sans” merece mais elogios que os trabalhos recentes das suas principais influências: Wilco, Yo La Tengo, Sondre Lerche, e por aí vai...

Driving Music - Orange Traffic Cones by Driving Music

Ainda é possível citar uma leva de artistas e encontros míticos que funcionaram: “Watch the Throne “, de Jay-Z & Kanye West enriquecendo o hip hop; “Pinch & Shackleton”, dos próprios produtores de dubstep (subgênero da música eletrônica). Embora o Rock esteja há cada ano mais escasso, devido a falta de renovação, Girls buscou elementos em grupos de power pop como Teenage Fanclub e Big Star para gerar o homônimo álbum de amores impossíveis - é difícil encontrar algo tão romântico e sincero atualmente. Bon Iver, deixou de ser one man band, para gerar “Bon Iver”, rumando para outras direções e retirando em parte o estigma introspectivo do primeiro disco e EP. Em um Blues Rock direto e com tons de diversão, The Black Keys produziu, provavelmente, seu melhor álbum: “El Camino”. Não menos importante, muito pelo contrário, dinossauros da música também deram suas contribuições em 2011: “Bad as Me”, de Tom Waits; “Hot Sauce Committee Part Two”, dos Beastie Boys; “Ersatz G.B.”, do Mark E. Smith e seu The Fall.


Apêndice

Aos que não mereceram elogios, os tomates. Algumas derrapadas e decepções de gente grande: a "sempre" inovadora Björk, parece que não consegue lançar mais nada tão atraente desde "Medúlla" (2004): "Biophilia" é insosso, e se restringe a assimilar inventividades que já foram muito mais bonitas em tempos idos - vide "Homogenic" (1997) e "Vespertine" (2001). Embora eu não seja um entusiasta do som deles, o "Suck It and See", último disco do Arctic Monkeys só "ousa" mesmo no título do disco: é provavelmente o trabalho mais preguiçoso do grupo, que estourou na segunda metade da década passada. Mais um que parece ter desistido de ousar é o grande Chico Buarque, que repetiu a falta de brilhantismo do "Carioca" (2006)... ok, ainda sim "Chico" é mais competente.

Na vala musical, uma variedade incrível de artistas que um dia acertaram a mão - espera-se que ainda retornem ao mundo dos vivos. "I'm with you", do Red Hot Chili Peppers; "Mirror Traffic", de Stephen Malkmus; "O que Você Quer Saber de Verdade", de Marisa Monte; "Tomboy", de Panda Bear; "Angles", do The Strokes; "Mylo Xyloto", do Coldplay.

Assim, fecha-se um ano gratificante e poderoso para a música nacional, que parece estar se renovando. Após a leitura, penso que é desnecessário explicar que todas as palavras acima refletem a minha opinião - obviamente pode dar muito pano pra manga e discussão! Para não deixá-los sem as cerejas do bolo, segue o famoso “top 10” – algo totalmente divertido de ser feito, que de maneira alguma deve ser levado ao pé da letra.


Os dez melhores álbuns de 2011 -

01. “Passo Torto”, do Passo Torto

02. “King of Limbs”, do Radiohead

03. “GLAQJO XAACSSO”, de Patten

04. “Metá Metá”, do Metá Metá

05. “Room(s)”, de Machine Drum

06. “Black Up”, do Shabazz Palaces

07. “Recanto”, de Gal Costa

08. “Exmilitary”, do Death Grips

09. “50 Words for Snow”, de Kate Bush

10. “Um Labirinto em Cada Pé”, de Romulo Fróes

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