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domingo, 25 de novembro de 2012

“Because the Night”


Patricia Lee Smith nasceu em Chicago no dia 31 de dezembro, exatamente no dia em que o Presidente Harry Truman declarava oficialmente o fim da 2a. Guerra Mundial. Era uma segunda- feira, durante a nevasca de 1946. Primogênita de mais dois irmãos e filha de assalariados católicos que não pouparam seus filhos das obrigações religiosas, Patti rezava sempre antes de dormir, mas logo quis criar suas próprias rezas. Ela conta que seu amor pelas orações se transformou em amor por livros e que desde pequena ficava intrigada ao observar a mãe com um cigarro na boca e um livro no colo. Patti se indagava o que era aquilo que fazia sua mãe ficar tão imersa.

Foi ainda pequena que descobriu seu amor pelas arte e pela literatura. Também foi ainda criança que percebeu que não seria uma mulher como as que via nos anos 50 – de quem odiava o perfume e o batom. Patti já era  rebelde.

Quando eu tinha dezessseis anos, lembro de ler Patti falando sobre um livro que leu sobre o artista Diego Rivera e que ela ansiava por transitar entre os artistas: a fome, o modo de vestir e a liberdade. Em 1966, dispensada da faculdade, Patti tinha certeza que não seria professora. Nessa época, ela já amava os Beatles e os Rolling Stones. Patti queria se vestir como Dylan e Vanessa Redgrave em sua personagem no filme Blow Up!, de Michelangelo Antonioni (que aqui se chamou, argh, Depois daquele Beijo). 



Por algum motivo inexplicável, as roupas, a música e a rebeldia sempre me fascinaram. Foi através de filmes e livros que conseguia dar vasão à vontade de não fazer parte de um universo convencional. Também estudei em colégio católico, onde as preces eram obrigatórias, senão pontos eram tirados do boletim.

Em 1967, Patti decide que não dá mais pra ficar onde está e se muda para Nova York. Ela tinha certeza que era uma artista, embora não tivesse ensino formal na área. Aquele foi um ano importante para o rock, bandas como The Beatles, The Doors, The Who, Pink Floyd, Rolling Stones e The Velvet Underground & Nico estavam lançando seus álbuns, e as tropas americanas continuavam no Vietnam, aumentando o número de protestos contra a guerra.





Conheci a música Because the Night nos primórdios da MTV no Brasil, mas não era minha musa quem cantava, e sim Natalie Merchant, vocalista da banda 10.000 Maniacs. A melodia me hipnotizou. Foi graças a um amigo de longa data, uma espécie de oráculo da cultura pop, que conheci a versão de Patti. Num jantar em sua casa, ouvi a música na voz da mãe do punk pela primeira vez e ele me disse as seguintes palavras: "essa voz é da deusa mãe e o nome dela é Patti Smith". Ele sempre falava como se fosse o mestre dos magos, aquele baixinho careca do desenho “Caverna do Dragão”.





Já tinha ouvido falar da deusa mãe, nessa época, já havia lido Mate-me Por Favor – Uma História do Punk Sem Censura (L&PM), em que os escritores Legs McNeil E Gillian McCain reuniram entrevistas de personagens da época, como Iggy Pop, Debbie Harry, Nico e a própria Patti, para narrar o nascimento do Punk. Mas foi a partir desse dia que comecei meu relacionamento de amor com a musicista, poetisa e intéprete. E foi por causa de Patti que conheci o trabalho de Robert Mapplethorpe. Então, não pude conter minha ansiedade quando soube que ela lançaria um livro sobre o relacionamento dos dois.

Quando Só Garotos (Companhia das Letras) chegou às livrarias, corri para comprar, li em um dia e chorei quando terminou. Foi por conta dessas muitas memórias e uma promessa feita a Robert, que Smith lançou o livro contando a história dos dois. A história é épica e também aconteceu no verão de 1967.

Patti estava em Nova York, desempregada, dormia em qualquer lugar e passava sua noite observando os cabeludos, com suas calças boca sino andando pelas calçadas. Finalmente, ela conseguira um emprego de caixa numa livraria. Lógico que ela prefiria ter ficado entre os poetas, mas foi vendendo as bugingangas que ficavam no caixa que ela cruzou com o grande amor da sua vida, Robert Mapplethorpe.


Assim teve início uma das grandes lendas da contracultura americana. O casal que ultrapassaria todas os  modelos convencionais de parceria esperados pela sociedade: eram amigos, conspiradores, parceiros de noite, dividiam o mesmo teto e lutavam pelos mesmos ideais. Ainda vestido no uniforme de estudante católico, o futuro artista comprou um colar que parecia ser persa. E que se tornaria a peça favorita de Patti.

Os dois viriam a se reencontrar novamente por acaso numa praça, quando Robert já não usava gravata e vestia um colete de pele de ovelha e vários colares. Desse momento em diante, a história dos dois engatava. Nesse dia eles dormiram juntos e tudo estava acertado: aquele seria o futuro deles, estariam sempre juntos.

Eles não tinham dinheiro, mas tinham um ao outro. Passavam os dias ouvindo música, cercados por livros e revistas de arte. O colar persa era um amuleto que pertencia ao universo dos amantes, ficava com quem precisasse mais dele.

Fiquei profundamente emocionada ao ver o tal colar no documentário sobre Patti, Dream of Life, lançado em 2008 e filmado ao longo de 10 anos, acompanhando a artista por onde ela fosse. No filme, podemos ver as relíquias do casal citadas no livro Só Garotos, além de fotos de Robert. Infelizmente o documentário não foi lançado em DVD no Brasil.



No final dos anos 60, os jovens tentavam fugir do reflexo da década anterior e do “modo de vida americano”, e Nova York era o lugar para fugir das conveções. Andy Warhol havia montado sua famosa “Factory”, existia o clube “CBGB´s”, onde os grandes e jovens músicos se apresentavam, e havia o Chelsea Hotel, onde todos os artistas moravam ou se encontravam. Foi no meio dessa Nova York em ebulição criativa e anti-guerra que Patti e Robert viveram, onde os artistas e desajustados se encontravam para dar início a uma das grandes mudanças na cena cultural mundial.

Musa de Robert, fotografada inúmeras vezes pelo companheiro, seria dele a capa do primeiro álbum de Patti, o super bem sucedido Horses.  Mapplethorpe viria a se tornar um dos maiores fotógrafos americanos, enquanto Patti Smith se tornaria um dos maiores ícones do rock n´roll, com sua poesia, sua voz e seu visual, admirado e copiado por muitos.



Patti se refere a Mapplethorpe como sua alma gêmea, mas sem ser cafona. Só Garotos acompanha a mudança da musicista, indo morar com quem seria seu marido e pai de seus filhos, o guitarrista da banda MC5, Fred “Sonic” Smith, e a união de Robert com seu companheiro de toda vida, Sam Waggstaff, que foi peça essencial para o desenvolvimento do fotógrafo na cena de arte até 1989, quando Robert morre de AIDS. Patti sempre é muito emocional quando fala da separação física dos dois, mas deixa claro que nunca houve separação espiritual.



A história dos dois mostra que não existem convenções para o amor e que quando garotos encontram sua cara-metade, eles devem se agarrar a ela por toda a vida.

sábado, 17 de novembro de 2012

Meu Lanterna Verde de mentira

Ontem, na hora do almoço, resolvi me distrair um pouco - nada como a internet no celular para esses momentos de solidão no meio do café da biblioteca - quando dei de cara com esse post no 9gag. A tirinha, da cartunista sailorswayze, coloca em cena a realidade de "um peso, duas medidas" quando o negócio é quadrinhos:
A mesma camiseta, dois gêneros
Mas, calma! Esse post não é sobre meninos e meninas, eu prometo. Talvez seja melhor eu recomeçar, então, com a seguinte frase: Adoro O Senhor dos Anéis, mas não tenho paciência para os livros.

No final das contas, é disso que quero falar: dá para ser fã sem conhecer o material original? Olha ali na tirinha, ele fala "read the comics" - então não dá para conhecer o Lanterna Verde através de algum outro meio? (Não, não estou defendendo o filme com o Ryan Reynolds, não feche a janela!)

Até bem pouco tempo atrás, o número de heróis DC que eu poderia citar de cabeça mal dava para encher uma mão. Sim, eu vi Super Amigos quando era criança, mas, tirando os Super Gêmeos, as minhas lembranças da série são muito, muito vagas. Hoje, Justice League Animated faz parte da minha lista de séries animadas favoritas, Hawkgirl está entre as minhas personagens femininas favoritas e...nunca li um mísero volume de quadrinho da DC na vida.
Justice League que eu conheço e Justice League que o Vinícius deve conhecer
Aí que entram os puristas e dizem que não posso ser fã assim. Eu até bradaria alto contra isso se nunca estivesse estado do outro lado da cerca: eu também - confesso - já duvidei do carinho alheio porque, afinal, não dá para apreciar Harry Potter através das simples adaptações!

Mas ninguém pode negar que o cinema e a televisão tenham um poder atrativo enorme e a Marvel, que não é boba, já entendeu bem o que isso significa em termos de $$. A sequência Homem de Ferro, O Incrível Hulk, Homem de Ferro 2, Thor e Capitão América mostrou que não só o público dos quadrinhos está aberto para adaptações que fujam do cânone clássico construído pelas histórias impressas, como há todo um novo público a ser conquistado, que se interessa pela mitologia e pelos personagens, mas que não quer ter que se dedicar a centenas de números de revistas para poder descobrir como, afinal, um deus nórdico e um playboy trilhardário juntam forças com outros para defender a Terra. Eu, certamente, prefiro ver Os Vingadores do Whedon uma centena de vezes.
E isso sem contar que o filme ainda tem Hawkeye e Blackwidow!
Então, se fãs novos e fãs antigos nem sempre conseguem se entender muito bem (e nem preciso dizer qual lado tende a implicar mais com qual, certo?), a verdade é que certas adaptações são simplesmente tão boas que fazem mais do que jus ao material original - às vezes elas são até mesmo melhores. O Drácula do Coppola me levou para o Drácula de Bram Stoker - e foi uma decepção. Outros exemplos de versões cinematográficas mais bem-sucedidas ou simplesmente melhores do que o material original não faltam: Dorothy e James Bond, por exemplo. Tubarão, aposto que tem gente que nem sabia que tinha sido um livro (escrito por Peter Benchley), e a mesma coisa com o (infelizmente) pouco conhecido A Princesa Prometida. E para não ficar só nos livros, Constantine pode ser bem diferente de sua fonte, mas é tão bom quanto.

Até o último filme de Crepúsculo, dizem, é melhor do que o original - o que prova que, às vezes, essa tarefa não é exatamente hercúlea.

Ah! E antes que me esqueça: como em tudo que tem a ver com ser fã envolve afetividade, o meu Lanterna Verde é John Stewart. O da animação, é claro.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Divagações sobre grades e fantasmas particulares


por Isabela Saboia



Tenho um gato e um cachorro. O gato morre de medo do cachorro e vice-versa, mas, quando um dos dois está preso, não há nada que o outro goste mais de fazer do que observá-lo. Separados por uma grade ou por uma porta de vidro, os bichos são capazes de passar horas se exibindo silenciosamente um para o outro. O cachorro parece que diz "Olha como eu sou grande e poderoso!". O gato parece que responde "Olha como eu sou limpo e independente!". É muito engraçado olhar pra eles: cada um convencido de sua própria superioridade existencial, mas ao mesmo tempo fascinado e hipnotizado pela presença (provocante e ameaçadora) do companheiro.

Outro dia, comecei a pensar sobre histórias de prisioneiros e imediatamente essa imagem me veio à cabeça. Queria entender o motivo pelo qual figuras como Prometeu ou Tântalo exercem tamanho magnetismo sobre nós. Basta que observemos o sucesso de livros como O Conde de Monte Cristo, O Estrangeiro ou O Diário de Anne Frank, para percebermos que a idéia de aprisionamento físico, ao mesmo tempo que nos traz sentimentos instantâneos de angústia e aversão, é muito atraente.

Antes que vocês façam confusão: não contei a história dos meus bichos porque os considero prisioneiros ou algo assim, mas porque acho "humaníssima" a mistura de medo e atração que eles sentem um pelo outro. Todos nós prezamos pela vida, pela confiança no próximo, pela facilidade de ir e vir. No entanto, "morte", "traição" e "prisão" são temas altamente recorrentes na nossa literatura. O homem morre de medo de ser assassinado, traído ou preso, mas ao mesmo tempo sente uma vontade constante de falar e ler sobre esses assuntos.

Daí, concluo que o livro cumpre o mesmo papel da grade ou das portas de vidro que separam o meu gato do meu cachorro: ele faz com que a gente toque nos medos sem de fato vivenciá-los; faz com que a gente sinta o gostinho dos nossos desejos mais perigosos e arriscados sem de fato nos oferecer perigo ou risco.

- Ora, senhor Freud, mas quem disse que eu algum dia desejei estar acorrentado feito Prometeu? Eu lamento profundamente o triste fim de Policarpo Quaresma, e jamais invejaria o coitado do Jean Valdjean, que, por ter roubado um pedaço de pão, passou 19 anos atrás das grades!

Ok, a gente pode até achar que a nossa vida é superior à desses caras e que eles são dignos de pena, mas precisamos assumir que eles possuem algumas características que todos gostaríamos de possuir. Em primeiro lugar, há a coragem que em determinado momento esses sujeitos tiveram para enfrentar as leis sociais e seguir os próprios instintos. Outra característica invejável dos enclausurados é a força, afinal eles precisaram aprender a conviver com o tédio, com a solidão e com os próprios fantasmas. Por mais paradoxal que possa parecer, quem está preso goza de uma liberdade que nós, fisicamente livres, jamais experimentaremos. Impedidos de viver feito gente normal, cheia de vínculos e obrigações cotidianas, os prisioneiros estão livres para - digamos - existir com mais fluência. Eles têm tempo para pensar a fundo sobre as coisas e para senti-las até o fim. Fora isso, quem está preso já não precisa dar satisfações a ninguém.

Há um pedacinho do meu gato que gostaria de enfrentar o meu cachorro, assim como há um pedacinho de nós que gostaria de ser preso. Mas é um pedacinho pequeno, e a gente é prudente, né? Livros, grades e portas de vidro são bons porque evitam bobagens.



Em tempo:  Meu cachorro, Zeca, tem umas alergias bizarras, que quando aparecem deixam partes de seu corpo em carne viva, causando fortes dores.  Dia desses, ele estava um bagaço, nem quis se alimentar.  Daí à noite eu fui dar uma olhada nos machucados e não acreditei no que vi.  Lembra daquele gato que nunca ultrapassava a grade?  Pois lá estava ele, do lado de cá, dormindo com o cachorro.  Achei a cena incrível e comovente e quis compartilhá-la.  Pena que, quando voltei com o celular, os dois já tinham desfeito a pose.




terça-feira, 6 de novembro de 2012

Mauricio de Sousa apresenta novos artistas


Todo mundo no Brasil que lê ou leu histórias em quadrinhos tem a Turma da Mônica em sua bagagem cultural. É quase impossível – a não ser, talvez, nos mais profundos rincões do país – encontrar alguém que não saiba quem é a dentuça Mônica, o Cebolinha com seus cinco fios de cabelo e o garoto que não gosta de banho chamado Cascão. As crianças do fictício bairro do Limoeiro já fazem parte do inconsciente coletivo do povo brasileiro a tal ponto que, mesmo aqueles que por ventura não leram ou não gostam das aventuras deles, conhecem as características e a personalidade da baixinha dentuça e seus parceiros, como se fossem velhos amigos de infância, de carne e osso.

Tudo começou quando, em 1959, Mauricio de Sousa publicou sua primeira tira de quadrinhos no jornal Folha da Manhã (hoje Folha de São Paulo). Inspiradas nas aventuras da Luluzinha, criada pela norte-americana Margie, suas HQs foram ganhando espaço e novos personagens, sendo republicadas em outros jornais do interior de São Paulo, ou em um caderno infantil dominical no veículo que as lançou, até ganhar notoriedade nacional com o lançamento da revista mensal da Mônica, em 1970, pela editora Abril. Atualmente, ele possui sua própria editora – a Maurício de Sousa Editora – e suas revistas em quadrinhos são responsáveis pela esmagadora maioria das vendas do mercado nacional. Seu mais recente projeto é um grande festival em 2013, que reunirá diversas expressões artísticas tendo a Turma da Mônica como tema. 

Hoje, ninguém questiona o fato de Mauricio ser o quadrinista de maior sucesso no país. Ele criou a Mauricio de Sousa Produções (MSP), um vasto conglomerado empresarial sem paralelo no Brasil, e colocou seus personagens na TV, no cinema no teatro e em CDs e jogos, além de estampar milhares de produtos e ter suas HQs publicadas em 40 países e 14 idiomas diferentes. Mas houve um período em que ele foi questionado por não ter feito mais pelo quadrinho nacional, que podia ter usado seu poder e sua influência para que outros quadrinistas também tivessem o mesmo destaque. Esse ponto de vista, porém, perdeu boa parte de sua sustentabilidade depois de 2009, com as comemorações dos 50 anos de atividade de Maurício de Sousa nos quadrinhos.

Para a comemoração, Sidney Gusman, editor de projetos especiais da MSP, propôs a Mauricio algo diferente: uma edição especial em que 50 quadrinistas nacionais iriam reinterpretar seus clássicos personagens. Maurício aceitou e o projeto deu tão certo que gerou mais dois álbuns, abrindo espaço para mais 100 artistas brasileiros darem suas versões aos seus personagens em HQ curtas. Assim surgiu “MSP 50 artistas”, “MSP + 50 Artistas” e “MSP 50 Novos Artistas”. O projeto foi selecionado pelo Programa Nacional de Biblioteca da Escola (PNBE), e levado para estudantes de todo o país.

Mais do que um produto comemorativo, esses três álbuns tornaram-se a porta de entrada para conhecer autores de todo o país com estilos diversos, entre nomes notórios – como Laerte, Ziraldo, Angeli, Rafael Albuquerque e os gêmeos Fabio Moon e Gabriel Bá – e outros conhecidos apenas dos leitores dos quadrinhos independentes – Antonio Eder, Vinicius Mitchell, Estevão Ribeiro e Mário Cau. Fechando cada álbum, minibiografias de cada um deles, com exemplos de trabalhos anteriores e endereços de projetos e de sites pessoais.

O projeto tornou-se a maior e mais ampla antologia de estilos, tanto de traços quanto de narrativa, do quadrinho brasileiro atual. Quem hoje quer saber o que o quadrinho brasileiro tem a oferecer, basta dar uma olhada nesses álbuns. E as HQs confirmam o que todos já sabiam: as referências, as leituras, os caminhos escolhidos pelos artistas para os personagens provam o quanto eles estão no imaginário de todos nós.

Arte de Mário Cau
 Um único álbum, com Maurício abrindo espaço para que outros autores mexessem em seus personagens sem se ater aos parâmetros estabelecidos por ele durante décadas, poderia ser visto como uma exceção, um momento raro em sua trajetória artística e empresarial. Mas ao publicar três álbuns com esta proposta, Maurício foi ainda mais longe: criou o selo Graphic MSP, em que os autores teriam espaço ainda maior para suas ideias. Cada um teria seu próprio álbum, que narraria uma única longa HQ. O primeiro foi lançado agora: Astronauta: Magnetar, por Danilo Beiruth, que produziu uma HQ com o Penadinho para o “MSP + 50 Artistas”.

Astronauta, o solitário explorador espacial que Maurício criara para concorrer com Buck Rogers e Flash Gordon, foi um dos personagens mais escolhidos pelos autores que participaram das três coletâneas anteriores. Suas HQs sempre foram introspectivas e filosóficas, mas aqui elas alcançam outro patamar. O trabalho de Beiruth é um poderoso reflexo sobre a solidão, onde ele mostra pleno domínio da narração e um ótimo conhecimento do personagem que retrata. A HQ nos remete ao mesmo personagem criado por Mauricio em 1963, mas o apresenta com um olhar amadurecido, uma versão adulta do herói com um visual e um roteiro que não deixa a desejar a nenhuma grande obra em quadrinhos de ficção científica. E o trabalho de cores de Cris Peter para o álbum merece congratulações à parte – é um verdadeiro deslumbre para os olhos.

Não existe melhor cartão de visita de quadrinista do que álbuns como este: uma HQ excelente, estrelada por personagens conhecidos, com qualidade gráfica impecável, nome do autor em destaque na capa, além de conter sua biografia, trabalhos anteriores e projetos futuros. É claro que este álbum abrirá caminhos para que o grande público e a grande mídia conheçam o autor e se interessem mais facilmente por seus outros trabalhos. Beiruth e o editor Sidney Gusman já deram entrevistas sobre a obra, já resenhada pela grande imprensa e até por sites internacionais de quadrinhos.

E a coisa não para mais. Já foram divulgados os próximos álbuns do selo: “Turma da Mônica”, dos irmãos Victor e Lu Caffagi; “Chico Bento”, de Gustavo Duarte; e “Piteco”, de Shiko. Artistas conceituados, mas que o grande público não conhece. A MSP já lançou também “Ouro da Casa”, outro álbum em que Maurício dá aos artistas que trabalham em seu estúdio a mesma chance de trabalhar com seus personagens abandonando as regras que sempre tiveram de seguir. Cada um podia utilizar seu próprio traço e viajar nos roteiros.

Podemos dizer que uma nova era começou nos quadrinhos do Brasil. Logo, esses autores estarão começando a colher os frutos dessas apresentações que certamente serão referência em seus currículos. E Maurício de Sousa, além de mais conhecido quadrinista do Brasil, será lembrado também como incentivador de novos e grandes talentos.