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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Pés descalços e chão gelado, depois de uma noite de sonhos.



A viagem de Ronaldo Fraga pelo Rio São Francisco, em 2008, foi uma proposta encantadora desde o início, quando o estilista embarcou por três meses em busca de referências para suas criações, até seu desdobramento final - a exposição Rio São Francisco - Navegado por Ronaldo Fraga, em exibição no Palácio Gustavo Capanema, no Centro do Rio de Janeiro.

Banhado por suas águas desde a infância, como ele expõe ao falar de sua peregrinação, era desejo encubado estar lá, de volta, para descobrir os mistérios do Velho Chico e fazer dele, assim, uma coleção de moda. O resultado foi glorioso e ainda deu direito ao belo bônus da exposição.




A mostra, inaugurada em 2010, passará por 12 diferentes cidades no Brasil. Começou em Belo Horizonte, onde nasceu Ronaldo, depois rumou para São Paulo e agora desemboca aqui, no Rio de Janeiro, onde fica até 10 de fevereiro. Depois, segue viagem mais uma vez.

Ao subir a escadaria que leva ao saguão da exposição, me deparei com um mar de coloridos peixinhos, feitos de garrafas PET, que se espalhavam pelo teto. Diante daquela cena, não pude deixar de perceber a ironia: os peixes me encaravam de cima e eu, esmagada por aquela massa, sentia-me pequena.

E assim o espectador pode ir navegando, guiado pelas diferentes texturas no chão, através dos 14 ambientes interligados que representam os 2873 km de extensão do rio.

Depois de passar pelo cardume no teto, entramos no corredor que percorre grande parte do salão. Na parede, um mapa de 12 m de comprimento situa o expectador no Velho Chico e ilustra as 15 principais cidades que tocam suas bordas. Ao passar pelos ambientes seguintes, cada qual com suas atrações, tive a sensação de estar me aprofundando, cada vez mais, por um caminho sem volta.

Nas paredes, imagens do fotógrafo Marcel Gautherot, cedidas pelo Instituto Moreira Salles, traziam para a realidade o que a imaginação vinha talhando, enquanto vozes de desconhecidos, saídas de televisores antigos em meio a malas de um couro rançoso, entoavam canções melancólicas.

No fim do corredor, Carcará, a canção de João do Vale, que lançou Maria Bethânia, se entrelaçava a melodias populares, anunciando o ponto alto da exposição. Pendendo do teto, vestidos bordados contavam a história do rio, de seu povo e da coleção de moda que foi, afinal, o objetivo da viagem orginal. É como se Ronaldo levasse, muito lentamente, o espectador a mergulhar em seu processo criativo para, depois, revelar a sua obra.


A viagem segue e, depois do respiro, somos convidados a colocar a cabeça dentro da água e nos deixar levar novamente. Passando por paredes ilustradas com lendas regionais, vestidos com a voz de Maria Bethânia, que declama o poema Águas e Mágoas do Rio São Francisco, de Drummond, chegamos à saleta Cidades Submersas. Ali, um vídeo narrado por Wagner Moura conta a história dos últimos minutos da cidade de Rodela, inundada para a construção da hidroelétrica de Itaparica, em 1988, enquanto pequenas casinhas cor de barro enfeitam o chão espelhado.

Ao sair da exposição, senti-me voltando, aos poucos, de um lugar que não conhecia. Como colocar os pés no chão gelado depois de uma longa noite de sonhos. Ronaldo faz isso com seus desfiles, sempre fez. E conseguiu mais uma vez, ao me levar em seu barco pelo rio fantasioso em que viveu durante algum tempo. Valeu a viagem.

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