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segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Porque amo poesia

por Janu Sergiu

Reaprendo diariamente que as vias do encanto podem ser bem mais férteis do que os becos da análise crítica. Abastecido por esse sentimento, encaro o prazeroso desafio de dividir com o leitor a minha predileção pelo gênero poético.

Gosto da poesia imagética, da sintética, da filosófica, da rimada e sonora, da simples e direta sem rima, da romântica, da anti romântica e até mesmo de algumas concretas e quase chatas. Mas confesso que não tenho paciência para a poesia hermética. Poesia hermética? Tô fora.

Tem algo no poema que fascina: ele é portátil!  Ele cabe em nossa memória. Pode ser sacado na hora da onda, na hora da vida e quem sabe até… na hora da morte.

Curto quando a poesia nos propõe uma visão diferente, doida e absurda: “minha maçã come eva” (Manoel de Barros) ; “pintei de azul os meus sapatos/ por não poder de azul pintar as ruas / vesti meus gestos insensatos / e colori minhas mãos e as tuas” (Carlos Pena Filho). E curto sobretudo quando nos propõe algo impossível de se ver… “ontem choveu no futuro” (Manoel de Barros).

Gosto das sintéticas. Capacidade de síntese não é dizer pouco. É dizer muito (e muitas coisas) com o mínimo possível:

“nada é maior nem menor que um toque”; “e por falar em sexo, quem anda me comendo é o tempo”,Viviane Mosé;

“eu também gosto de permissividade, garotada mas, aqui entre nós, e na alminha não vai nada?” Millôr.

Quando o poema me faz pensar tanto quanto me faz sentir… Aí é o êxtase… Veja só esse trecho escrito por um estudante de filosofia sobre o prazer que teve durante a leitura de um livro:

Andando no Caminho de Swann

Ao atravessá-lo

Página a página, ficar
Como que pertencido por palavras.
Não feito refém, que não sabe aonde o levam, amordaçado,
Mas feito a grávida tomada pelo germe que nela se abre.

Pedro Amaral


Puta que pariu!! Desculpe o palavrão, querido leitor… “Não feito refém… mas como a grávida tomada pelo germe que nela se abre…” isso é criação de galinha metafórica escrita por um sujeito xy… Pra falar de livro…

Ainda nessa onda de filósofos que arriscam livros de poesia, lembro de uns versos do Antonio Cícero, musicados por Marina:

“Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa de vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é,
Iluminá-la ou ser por ela iluminado…
… Por isso, melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que um pássaro sem vôos.”

Quando me pego repetindo equívocos idiotas ou quando me vejo pateticamente retornando a terríveis tragédias mexicanas, gosto de reler o poema abaixo e dar risadas, ao me ver como um cachorro correndo atrás do próprio rabo em ataque escalafobético.

Inventário

É a mesma lição

De novo ecoando,
Da qual sempre me escapa
O enunciado.

E, dele esquecido,

Me vejo obrigado
A refazer novamente o inventário
Do que pensava já haver aprendido.

Lendo esse tipo de coisa, embarco no riso mais do que na culpa.  Esse poema, como todo bom poema passível de várias leituras, pode nos levar a extremos opostos.

Deixando um pouco de lado os “filosófos poetas” e seguindo meu script, quero falar de meu extremo respeito, admiração e encanto pelos poetas que chegam ao verso redondo, musical e sonoro. Alguns são feitos para músicas e só os ouvimos embrulhados em melodias. Alguns são tão bons, simples e diretos que podem muito bem ser destacados da melodia e ganhar outros territórios. Imediatamente me vem à cabeça: “E agora? Que faço eu da vida sem você ? Você não me ensinou a te esquecer”, Fernando Mendes .

Que tal sair do universo “dor de corno” e dizer isso a uma caneta predileta e sumida, todos os dias quando você não a encontra??

Um dia desses ouvi o seguinte verso embrulhado em música:
“a minha dor
não é a dor dela
a minha dor é doriana
e a dor dela é adorela”

E sem maiores apreços estéticos pelo sofrimento, me pus a pensar na incompatibilidade de sistemas operacionais xx e xy… Ouvi isso num disco de DJ Dolores. Tô com preguiça de ficar citando fonte. Que digam o Google e o Aldir Blanc (quem cita fonte é água mineral).

Muitos de nós certamente já destacou letras de melodia, mas quero lembrar que o contrário também acontece.

“Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
Sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
No vento.

Se desmorono ou se edifico,

Se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

Pelo amor de Deus!!! Que monstruosidade de poema!! Dizem que todo artista que se preza tem inveja da criação artística alheia. Pois este poema é tão absurdamente lindo que o máximo que se pode fazer é agradecer a Deus!

Soube que Fagner já o musicou. Confesso que morro de medo de conhecer a versão musicada. Tenho verdadeiro pânico que a força melódica de uma construção sonora que desconheço provoque qualquer arranhão em minha leitura original. Mas isso não é uma sentença! E como bem sei que o medo atrai, um dia vou acabar esbarrando com a versão musicada.

A poesia coloquial, simples, direta e sem rima também me faz a cabeça. Pode me levar ao arrebatamento acidental e insuspeito. Assim como quem diz “pode trocar uma nota de dez?” e de repente você vê que quem tá falando com você é Mario Quintana

“A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª feira…
Quando se vê, passaram 60 anos…
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
Eu nem olhava o relógio.

Seguia sempre, sempre em frente…

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.”


Não canso de ler um poema do Paulo Leminski…

“Um bom poema
Leva anos
Cinco jogando bola,
Seis carregando pedra,
Nove namorando a vizinha,
Sete levando porrada,
Quatro andando sozinho
Três mudando de cidade
Dez trocando de assunto
Uma eternidade, eu e você,
Caminhando junto”

Gente do céu, esse texto era para ser curto e não acaba nunca… E a poesia romântica?? Pois então aqui vai um trecho de um poema que um dia tive a surpresa de ver aparecer em cena de filme hollywoodiano:

When you are old – W. B. Yeats

“how many loved your moments of glad grace,

And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;”

“Quantos, com falsidade ou devoção sincera,

Amaram-te a beleza e a graça de menina!
Um só, porém, amou tua alma peregrina,
E amou as dores desse rosto que se altera.”

Tradução de Paulo Vizioli


Mudando de assunto, falemos rapidamente de uma poesia supostamente não romântica. Uma poesia que diz pelo inverso. Também a aceito. Pode servir no prato, obrigado.

“Nem todos os frutos vermelhos
merecem o céu
da tua boca”.

“A borboleta que poisou

no teu mamilo perdeu
vontade de voar”

Jorge de Sousa Braga


Até na poesia concreta, um gênero menos fácil, encontrei versos capazes de me botar no balão preto e branco de vôo colorido que aparece no site do AL.

“O operário trabalha
A aranha tece
E o poeta poeta”

Haroldo de Campos


E tem um muito bonito do João Cabral de Melo Neto. Um poema que pode nos levar a pensar sobre a beleza de um trabalho conjunto, sobre a natureza e a força de um trabalho em equipe.

“Um galo sozinho não tece uma manhã:
Ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
E o lance a outro; de um outro galo
Que apanhe o grito de um galo antes
E o lance a outro; e de outros galos
Que com muitos outros galos se cruzem
Os fios de sol de seus gritos de galo,
Para que a manhã, desde uma teia tênue,
Se vá tecendo, entre todos os galos.”

Olha, vou parar por aqui. Poderia ficar horas falando sobre o prazer que tenho em ler poesia e a minha alegria em descobrir novos poemas. Encerro com um verso de Elisa Lucinda:

“há tanto o que fazer com a poesia
que tenho estado com ela
sem nenhum projeto de anti concepção”

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