Todo mundo no Brasil que lê ou leu histórias em
quadrinhos tem a Turma da Mônica em sua bagagem cultural. É quase
impossível – a não ser, talvez, nos mais profundos rincões do país – encontrar
alguém que não saiba quem é a dentuça Mônica, o Cebolinha com seus cinco fios
de cabelo e o garoto que não gosta de banho chamado Cascão. As crianças do
fictício bairro do Limoeiro já fazem parte do inconsciente coletivo do povo
brasileiro a tal ponto que, mesmo aqueles que por ventura não leram ou não
gostam das aventuras deles, conhecem as características e a personalidade da
baixinha dentuça e seus parceiros, como se fossem velhos amigos de infância, de
carne e osso.
Tudo começou quando, em 1959, Mauricio de Sousa
publicou sua primeira tira de quadrinhos no jornal Folha da Manhã (hoje Folha
de São Paulo). Inspiradas nas aventuras da Luluzinha, criada pela
norte-americana Margie, suas HQs foram ganhando espaço e novos personagens,
sendo republicadas em outros jornais do interior de São Paulo, ou em um caderno
infantil dominical no veículo que as lançou, até ganhar notoriedade nacional
com o lançamento da revista mensal da Mônica, em 1970, pela editora Abril.
Atualmente, ele possui sua própria editora – a Maurício de Sousa Editora – e
suas revistas em quadrinhos são responsáveis pela esmagadora maioria das vendas
do mercado nacional. Seu mais recente projeto é um grande festival em 2013, que
reunirá diversas expressões artísticas tendo a Turma da Mônica como tema.
Hoje, ninguém questiona o fato de Mauricio ser
o quadrinista de maior sucesso no país. Ele criou a Mauricio de Sousa Produções
(MSP), um vasto conglomerado empresarial sem paralelo no Brasil, e colocou seus
personagens na TV, no cinema no teatro e em CDs e jogos, além de estampar
milhares de produtos e ter suas HQs publicadas em 40 países e 14 idiomas
diferentes. Mas houve um período em que ele foi questionado por não ter feito
mais pelo quadrinho nacional, que podia ter usado seu poder e sua influência
para que outros quadrinistas também tivessem o mesmo destaque. Esse ponto de
vista, porém, perdeu boa parte de sua sustentabilidade depois de 2009, com as
comemorações dos 50 anos de atividade de Maurício de Sousa nos quadrinhos.
Para a comemoração, Sidney Gusman, editor de
projetos especiais da MSP, propôs a Mauricio algo diferente: uma edição
especial em que 50 quadrinistas nacionais iriam reinterpretar seus clássicos
personagens. Maurício aceitou e o projeto deu tão certo que gerou mais dois
álbuns, abrindo espaço para mais 100 artistas brasileiros darem suas versões
aos seus personagens em HQ curtas. Assim surgiu “MSP 50 artistas”, “MSP + 50
Artistas” e “MSP 50 Novos Artistas”. O projeto foi selecionado pelo Programa
Nacional de Biblioteca da Escola (PNBE), e levado para estudantes de todo o
país.
O projeto tornou-se a maior e mais ampla
antologia de estilos, tanto de traços quanto de narrativa, do quadrinho
brasileiro atual. Quem hoje quer saber o que o quadrinho brasileiro tem a oferecer,
basta dar uma olhada nesses álbuns. E as HQs confirmam o que todos já sabiam: as
referências, as leituras, os caminhos escolhidos pelos artistas para os
personagens provam o quanto eles estão no imaginário de todos nós.
Arte de Mário Cau |
Astronauta, o solitário explorador espacial que
Maurício criara para concorrer com Buck Rogers e Flash Gordon,
foi um dos personagens mais escolhidos pelos autores que participaram das três
coletâneas anteriores. Suas HQs sempre foram introspectivas e filosóficas, mas
aqui elas alcançam outro patamar. O trabalho de Beiruth é um poderoso reflexo
sobre a solidão, onde ele mostra pleno domínio da narração e um ótimo
conhecimento do personagem que retrata. A HQ nos remete ao mesmo personagem
criado por Mauricio em 1963, mas o apresenta com um olhar amadurecido, uma
versão adulta do herói com um visual e um roteiro que não deixa a desejar a
nenhuma grande obra em quadrinhos de ficção científica. E o trabalho de cores
de Cris Peter para o álbum merece congratulações à parte – é um verdadeiro
deslumbre para os olhos.
Não existe melhor cartão de visita de quadrinista
do que álbuns como este: uma HQ excelente, estrelada por personagens
conhecidos, com qualidade gráfica impecável, nome do autor em destaque na capa,
além de conter sua biografia, trabalhos anteriores e projetos futuros. É claro
que este álbum abrirá caminhos para que o grande público e a grande mídia conheçam
o autor e se interessem mais facilmente por seus outros trabalhos. Beiruth e o
editor Sidney Gusman já deram entrevistas sobre a obra, já resenhada pela
grande imprensa e até por sites internacionais de quadrinhos.
E a coisa não para mais. Já foram divulgados os
próximos álbuns do selo: “Turma da Mônica”, dos irmãos Victor e Lu
Caffagi; “Chico Bento”, de Gustavo Duarte; e “Piteco”, de Shiko. Artistas
conceituados, mas que o grande público não conhece. A MSP já lançou também
“Ouro da Casa”, outro álbum em que Maurício dá aos artistas que trabalham em
seu estúdio a mesma chance de trabalhar com seus personagens abandonando as
regras que sempre tiveram de seguir. Cada um podia utilizar seu próprio traço e
viajar nos roteiros.
Podemos dizer que uma nova era começou nos
quadrinhos do Brasil. Logo, esses autores estarão começando a colher os frutos
dessas apresentações que certamente serão referência em seus currículos. E
Maurício de Sousa, além de mais conhecido quadrinista do Brasil, será lembrado
também como incentivador de novos e grandes talentos.
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