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terça-feira, 12 de novembro de 2013

O outro lado da vida pública

por Laura Tardin


A polêmica não é recente. Desde a Nova Constituição, dois artigos básicos parecem brigar entre si, ou desta forma são interpretados pelos mais desatentos. Um estabelece que é "livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença", o outro diz que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". O grifo é meu, por ser justo o detalhe que tornaria possível coordenar esses dois direitos sem que se atropelem.

Nos últimos anos, temos assistido a postagens de vídeos no You Tube de artistas que se expõem, mas ficam ofendidos quando não são eles os autores de sua própria exposição e há processos judiciais movidos contra quem exerce o direito de se expressar da maneira que quiser. No campo de batalha atual, ganha quem reivindica e tem sido fácil para o sujeito que reclama tirar um vídeo do ar ou um livro das prateleiras.

Em 2007, Roberto Carlos exigiu que fossem retirados todos os exemplares do livro Roberto Carlos em Detalhes, atitude que causou estranhamento em alguns de seus fãs. Enquanto corre a questão judicial, o imbróglio ganha a participação de diversos artistas brasileiros. De lá para cá, foi criada a associação Procure Saber, que defende a prévia autorização para as biografias no Brasil.  Artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque endossam a iniciativa, entendida por muitos como reacionária, já que favorável à censura prévia, podendo atingir inclusive trabalhos acadêmicos ou de pesquisa, como comenta a nota do site Aventura de Ler.

Quem defende autorização prévia para biografias se diz a favor da intimidade e da preservação da privacidade da pessoa pública. Do outro lado, nomes como Alceu Valença, Fagner, Lobão, o jornalista Ruy Castro (autor de biografias de Nelson Rodrigues e Carmen Miranda), a ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda (irmã de Chico Buarque), a escritora Ana Maria Machado, presidente da ABL, e até o ministro Joaquim Barbosa são contra a proibição por entenderem que a história dos artistas faz parte da história cultural do Brasil, podendo e devendo ser compartilhada, posição que independe do questionamento acerca daqueles que tanto fizeram contra a censura do tempo da ditadura. Naturalmente, há ainda quem conclua que quem esconde carrega algo de podre...

Uma artista que opinou no caso é Valesca Popozuda. Não conhece? Valesca é uma das principais intérpretes do também polêmico funk carioca e um dos expoentes do que se conhece como “reação feminina do estilo musical”, representando em letra e atitude a mulher forte e dona de seus desejos e atos. Ex- líder do grupo Gaiola das Popozudas, atualmente em carreira solo, Valesca afirmou em entrevista à revista Quem que “artista está na chuva para se molhar” e que biografia feita com respeito deve ser publicada. Sendo uma das fãs decepcionadas com o Rei Roberto Carlos, vê com naturalidade a curiosidade do fã acerca da vida de um ídolo.

Funkeira posa em ensaio exclusivo, que remete a músicas de artistas do movimento “Procure Saber”



Em que medida uma opinião pode ser relevante para um tema? A opinião de Valesca Popozuda importa? Importa, sim, na medida em que Valesca é uma das personalidades mais ousadas de seu meio - como foram um dia Chico, Caetano e Gil dentro de determinado cenário.  Assim como eles correram riscos num tempo de censura e violação de direitos, Valesca põe a cara à tapa num universo dominado por homens. No meio conhecido por ser tão masculinizado, a intérprete tem letras como “My Pussy é o Poder” e “Quero te Dar”, invertendo a lógica da mulher que tem de cumprir o desejo do homem e colocando o próprio desejo em primeiro plano. Valesca canta a mulher que faz sexo porque quer e quando, onde, como e com quem bem lhe entender.




Em seus 35 anos de vida, Valesca Popozuda provou ser uma mulher corajosa. De origem pobre, infância passada no Irajá, com 18 irmãos e irmãs, saiu de casa aos quatorze anos e começou a trabalhar. Depois de uma entrada gradual no funk, a loira platinada que usa lentes azuis e tem o bumbum no seguro, já fez parte de reality shows, desfilou em escola de samba e ficou de frente com Marília Gabriela.

No seu ensaio da Playboy, mais uma vez foi destacada a sua condição humilde, com todas as fotos realizadas numa favela. A mais famosa é aquela na qual beija uma fotografia do ex-presidente Lula. Seu filho, que nasceu quando tinha 20 anos, é favorável à postura da mãe e a defende dos colegas maldosos. Um dos fatos mais interessantes sobre Valesca é que serviu como referência em um projeto de mestrado aprovado pela Universidade Federal Fluminense. Em “My pussy é poder – A representação feminina através do funk no Rio de Janeiro: Identidade, feminismo e indústria cultural”, a autora Mariana Gomes tinha como objetivo investigar se as letras das cantoras do funk eram feministas ou apenas atendiam a um mercado de demanda erótica. 

Alunos da UFF afirmam que não existe “baixa cultura”, colocando a temática do funk ao lado de, por exemplo, temas que invocam Saramago.  Enquanto a discussão que avalia o funk como cultura não é ultrapassada, me coloco ao lado de quem entende que cultura é a simples expressão da identidade de um povo, seja ela considerada “alta” ou não.

Valesca Popozuda está em constante mutação e atualização. Ultimamente, tornou-se musa de um novo público para o funk, o público gay. Identificados com os temas apimentados e a liberdade para falar do corpo e de sexo, homossexuais fazem parte de uma nova fatia interessada no estilo musical, o que lhe atribui uma nova faceta cultural. Seu alcance vai mais longe quando vira ídolo de um público de classe social mais alta, cujos fãs pagam caro para ver seus shows luxuosos.  Tornando-se ídolo cult para aqueles que defendem o funk como meio inquestionável de cultura, Valesca faz até shows internacionais.





Enquanto artistas da velha e boa guarda nacional tentam preservar sua intimidade, artistas como Valesca se abrem para a exposição pública, sem fazer disto um problema. Em seu Instagram, com 115 mil seguidores, são postadas fotos de sua rotina. Na data de seu aniversário, saiu para almoçar com fãs.  Valesca é filha de seu tempo, uma era de exposição e visão Big Brother em todos os cantos, e aproveita sua ousadia natural, adquirida na sua trajetória de vida, para exercer seu carisma e ficar ainda mais próxima dos fãs. Se Caetano, Gil ou Chico ficam desconfortáveis com o invasivo mercado de exposição, há quem saiba aproveitar para ficar no controle de sua própria imagem - não somente enquanto artista, mas enquanto pessoa de opinião formada e de posição completamente diferente.  



3 comentários:

  1. É, Valeska não é só um corpinho bonito!!! Ela sabe usar muito bem o SUCESSO!!!! Admiravél!!!!

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  2. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  3. Não conhecia a moça e gostei do seu desempenho na entrevista com a Gabi. O ensaio fotográfico em que "veste" frases dos compositores e roupas comportadas mostra que tem tutano ali.

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