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segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sem saudade da esculhambation

por Doris Dias

Quando escrevo para Aventura de Ler, costumo ocupar (sem grandes méritos, é verdade) a seção leitura, que atualmente está sendo melhor usada na divulgação das obras literárias que foram expostas de forma criativa no pavilhão brasileiro da Feira do Livro de Frankfurt – a maior do gênero no mundo.

Visitei a feira pela primeira vez e tudo que vi me trouxe insights que acho melhor comentar neste blog – mais apropriado para achismos despretensiosos que vou tentar não fazer descartáveis.  Minha autocrítica sobra da leitura de certas colunas semanais que nem sempre são ocupadas por informação relevante, mas por impressões mais ou menos interessáveis – como o texto do Daniel Galera sobre sua chegada ao mesmo evento, publicado no espaço que assina no jornal O Globo às segundas e que você pode ler aqui.

Visão parcial do Pavilhão do Brasil na Feira do Livro de Frankfurt


Se já leu, posso dizer que a frase que mais me interessou foi a que comenta o silêncio assustador de Frankfurt.  Por que assustador?  Por que não estranho ou revelador? Lembro então do que aconteceu a uma amiga psicanalista que ao visitar Tóquio e se hospedar no mesmo hotel do filme Encontros e Desencontros, situado nos andares mais altos de um prédio de 233 metros de altura, abriu uma das janelas à prova de som do quarto e deparou-se com um silêncio incompatível com a cena ofuscante de uma das cidades mais movimentadas do planeta.  Achou que estava tendo uma crise de disritmia, com o ritmo do cérebro ralentando e provocando uma sensação que é das mais aflitivas (só perde para o ataque de pânico).  Pensou que havia algo de errado com ela quando o problema é inteiramente nosso.  Falamos muito e alto demais. Estamos acostumados a provocar barulho. Bastam dois pares de brasileiros num restaurante apinhado de alemães para que nenhum outro som seja ouvido. Não achamos bonito (sabemos que é resultado da nossa generalizada falta de civilidade), mas sentimos a ausência da nossa própria zoeira como se fosse uma pane em um de nossos sentidos.  Justo aquele que deveria ser melhor calibrado para dar espaço ao Outro.

Pois bem, a Feira de Frankfurt é monumental em área e número de participantes, mas seu espaço físico não pode ser mais parecido com uma gigantesca clínica de detox em dia de visita.   Tirando o tamanho, tudo ali é justo: a programação usa apenas duas cores, vermelho e preto, sobre o branco das paredes, pisos e tetos; não há frases ou textos gritantes, apenas uma sinalização monocórdica para a orientação dos visitantes.  Os dois primeiros dias da feira são exclusivos para profissionais do meio editorial e não pude deixar de notar que Aventura de Ler foi automaticamente aceito, via email, como portal de divulgação da leitura, enquanto a Bienal do Livro carioca nos exigiu um contracheque (!!!) como prova da nossa relação com o site, que poderia se inscrever como mídia e esperar ser preterido entre os credenciados.  Em 2011, com o site recém-inaugurado, tivemos que pedir uma forcinha a uma das maiores editoras cariocas para garantir nosso trabalho de divulgação.  Ou seja, além de barulhentos, gostamos de complicar, entupir os procedimentos e forçar a improvisação (ou a sua versão sinistra, a corrupção).  Por isso, há quem ainda nos veja como muito criativos, tendo em vista nossa longa intimidade com matreiras soluções de última hora.

A participação do Brasil nesta feira, até por ser um programa do governo, demonstrou estar perfeitamente alinhada com o tempo atual.  Não foi simples atuação para inglês ou alemão ver, optou-se realmente por mostrar um Brasil de muitas vozes e o eco das manifestações populares fez o coro de fundo, enquanto os discursos de abertura e encerramento, pedra cantada antecipadamente, expunham as nossas mazelas.  O diretor da Feira resumiu: “é um país angustiado consigo mesmo, mas que não deixa de ser criativo”, disse Juegen Boos.

Auditório no Pavilhão do Brasil na Feira do Livro de Frankfurt


Embora Frankfurt fosse o objetivo primeiro da minha viagem, fui ao encontro de Raphaela Leite e Victor Mattina, coleguinhas do AL, que estavam em Berlim, a cidade que todo hipster tem no coração.  Combinamos assistir à Maratona de Berlim, a mais rápida de todas e um dos principais eventos de participação popular da cidade, onde encontramos um carioca que não correu por causa de uma fascite plantar, mal comum aos maratonistas.  Dividido entre o desapontamento e a solidariedade, ele me sai com o seguinte comentário: aqui é bem diferente do Rio, onde ninguém apoia os atletas e quando vai assistir é para gritar coisas como ”Dá-lhe maluco!”.  Um país de gozadores, claro, onde ninguém perde a piada. 

Assim como Frankfurt, Berlim também é bastante silenciosa e não é incomum presenciar cenas como a das duas crianças de colo quietíssimas num aparentemente abandonado carrinho de bebê duplo, estacionado na calçada enquanto a mãe sem pressa prova roupas em uma loja.  Raphita observou: “em Berlim nem os cachorros latem”.

Chegar em voo diurno e poder ver as cercanias das cidades europeias é um dos meus programas favoritos – seja Frankfurt, Berlim (supreendentemente arborizada e verde) ou Lisboa, meu portão de entrada e saída nesta viagem.  Desconfio que Lisboa não esteja no peito de nenhum hipster, mas só a visão do conjunto daqueles telhados (de tão conservados, parecem que foram todos trocados há pouco) derrete qualquer resistência de quem é doente do pé. Considero a capital portuguesa parada obrigatória para todo brasileiro e apoio inteiramente a campanha promovida pelos lisboetas para nos seduzir de vez: Lisboa convida Brasil, que dá dicas ótimas.  Só falta combinar com o pessoal de controle de passaportes para agilizar a entrada no país, onde se perde uma eternidade de um tempo em que todos estão ansiosos ou muito cansados.  Se é verdade que representamos uma parcela significativa do público da TAP, não seria pedir demais que fosse aberta uma fila para os voos brasileiros.  Simpatia e calor humano sempre foi o caminho mais fácil para o coração brasileiro.



Por outro lado, chegar ao Rio em voo diurno é um tapa na cara. Sobrevoar o amontoado de casas desalinhadas, sem nenhum cuidado urbanístico, e chegar pelos fundilhos negros e fedorentos da Baía de Guanabara, não tem clipe do U2 que dê jeito, é uma vergonha que pesa como uma pedra no coração dos cariocas.  A sensação piora no Galeão (o nome de Tom Jobim merece esperar por dias melhores) e chega quase à tragédia na fila dos táxis.  Mais à frente temos o abandono da Ilha, a Linha Vermelha e seu odor característico, e nem as empenas imundas dos prédios do Jardim Botânico escapam.  Ninguém merece.  Não acredito que os estrangeiros ainda possam encontrar encantos nesta visão.  Não faz muito tempo que um ex-presidente de uma companhia francesa com sede no Rio, perguntado sobre o que lhe fazia mais falta do tempo em que residiu no Brasil, respondeu quase melancólico: “esculhambation...”

Infelizmente, não temos mais tempo para ela.  Lamento informar, senhor empresário, mas estamos em confronto com essa tal e queremos mudanças que não serão para seus olhos ou diversão.  Como diz o escritor Paulo Lins no vídeo do nosso site, é uma questão do brasileiro e temos urgência.  Assim como o Brasil que se exibiu em Frankfurt, queremos um país passado a limpo e queremos pra ontem. 

Veja as fotos da Feira no nosso tumblr.


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