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sábado, 13 de abril de 2013

A Morte de Barbarella

Barbarella & Zhora


Sou daquele grupo de pessoas que revê e revê filmes que gosta ou mesmo que acha só interessantes. E não faço isso apenas por não ter mais nada por fazer – gosto mesmo de retornar a filmes conhecidos, como se reencontrasse velhos amigos.  Quem não pertence ao nosso grupo me pergunta qual é a graça em ver filmes que você já viu, já sabe que surpresas reservam, já sabe qual vai ser o final. Além do fato de conseguir me entusiasmar em ver um filme que já conheço – a ponto de muitos não acreditarem já tê-lo visto antes – há outra razão para fazer isto: conseguir captar algo que tinha passado despercebido, seja por falta de atenção ou por eu ter tido outras vivências e adquirido novos conhecimentos desde a última vez que assisti a obra e assim entender coisas que antes não estava preparado para assimilar.

Vivi um bom exemplo desta situação ao ir à primeira sessão do Cineclube Sci-Fi, uma mostra de filmes consagrados de ficção científica, com direito a palestras sobre as obras apresentadas, organizada pelo Conselho Jedi do Rio de Janeiro e realizada no Planetário da Gávea, no Rio. Aliás, uma excelente e rara iniciativa para reunir os mais variados fãs de FC do Grande Rio para troca de ideias, saber das novidades, estabelecer conexões não imaginadas e conhecer gente com os mesmo gostos.

O primeiro filme que o cineclube passou foi um clássico indiscutível do gênero lançado em 1982: “Blade Runner: o Caçador de Androides”, de Ridley Scott, que apresentou para o público em geral a obra do escritor Phillip K. Dick (o filme é baseado em um de seus livros). O impacto de Blade Runner foi tão grande que chamou a atenção de Hollywood para o autor. Vários outros textos dele acabaram sendo adaptados para o cinema – O Vingador do Futuro, Minority Report, O Homem Duplo, Os Agentes do Destino, entre outros.

Para quem ainda não conhece, num resumo que não estraga surpresas, Blade Runner narra a busca de Deckard, um caçador de androides, na cidade de Los Angeles no ano de 2019 (na época um futuro longínquo) por um grupo de replicantes – androides que são visualmente idênticos a humanos, mas muito mais fortes e resistentes, e que são proibidos de circular em nosso planeta, sendo usados para serviços em colônias extraterrestres. Já devo tê-lo visto umas quatro vezes – tenho seu DVD em minha coleção. Acreditava que, ao assisti-lo, teria uma grande diversão pela frente, mas que aquela altura não teria grandes surpresas. Até que vi a sequência em que o caçador, vivido pelo Harrison Ford, persegue e mata o primeiro de seus alvos replicantes: Zhora, que trabalhava como dançarina exótica em um bar.



Barbarella
A indumentária da replicante, a falta de pudor de Zhora diante de Deckard, o cenário em que ela se encontrava no momento exato de sua morte – uma loja de roupas com manequins trajando vestes em estilo kitsch que emulava um conceito de futurismo da década anterior – , tudo isso me remeteu a um filme que tinha acabado de rever para escrever outro texto para o site Aventura de Ler. Um filme de 1968 que, de certa forma, havia iniciado todo este conceito que dominara a década de 70: Barbarella, de Roger Vardin.

Não sei se foi intencional ou não, mas essa sequência de Blade Runner serve perfeitamente como alegoria do fim da hegemonia de um estilo, uma moda que surgira na ficção científica ainda no século XIX com a princesa marciana Dejah Thoris, criada por Edgar Rice Burroughs (o criador de Tarzan) e que aparece em sua série de romances que se passa no planeta vermelho. Dejah Thoris é a mãe de todas as mocinhas da FC, o estereótipo da donzela em apuros, sempre perseguida por monstros alienígenas e procurando a salvação nos braços do herói da trama. Barbarella muda esta lógica, onde a mocinha deixa apenas de ser a donzela em perigo e passa a ser o personagem principal da trama, tendo de se virar sozinha para sair de seus problemas, mas não deixa de ser o ápice deste estilo de personagem, que sempre ressalta seus dotes físicos para heróis, vilões e espectadores.

Dejah Toris (arte de Paul Renauld)
Blade Runner inaugura um novo estilo: o cyberpunk, caracterizado pela mescla de alto nível de tecnologia atingida por uma sociedade que também possui alto nível de degradação social. As cores e a utopia do futuro imaginado na década anterior são substituídas por ambientes nublados, poluídos e sombrios. A alegria e sedução de antes são criticadas como formas de pensar vazias e alienadas. Assim passou a ser boa parte da FC no cinema, em que surgiram as franquias de Alien, Exterminador do Futuro, Mad Max e Matrix.  

A sequência da morte de Zhora parecia afirmar que não havia mais espaço para Barbarellas, ao menos não no cinema. O fracasso da primeira versão cinematográfica do primeiro livro em que Dejah Thoris aparece – "John Carter: entre Dois Mundos", de Andrew Stanton, lançado em 2012 – reforça esta ideia. E assim se passaram 30 anos desde que Blade Runner, de certa forma, decretou a morte de Barbarella, surgida 20 anos antes. Já está mais do que na hora de aparecer alguém que dê um tiro nas costas de Deckard e nos apresente algo novo. 


“Barbarella, amor livre e feminismo”, artigo para o Aventura de Ler: 

Resenha para o Aventura de Ler sobre o primeiro livro da série do planeta Marte, de Edgar Rice Burroughs, lançado pela editora Aleph: http://www.aventuradeler.com.br/536/9

Site do Conselho Jedi Rio de Janeiro:  http://www.jedirio.com.br/


Um comentário:

  1. Concordo e acredito que a decepção que os fãs da Rainha de Marte tiveram no filme John Carter: entre Dois Mundos foi provocada pelo "dedo Disney" de fazer as coisas. Como temi que isso acontecesse com a Marvel. No entanto, parece que ainda não ocorreu.

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