por Thiago Ortman
A Copa segue e parece vibrante para
todos os lados. Desde os chilenos, que invadiram o Rio de Janeiro e,
literalmente, o Maracanã, até os manifestantes que optaram pelo
jogo político, em meio ao cerco de policiais que se apresentam em
número incontável e com assiduidade implacável.
Mesmo estando no meio de dois mundos,
entre os que assistem os jogos e os que se manifestam a custo de
assistir quase nada, o que tem me deixado mais tenso nos últimos
dias é que a Copa está passando e eu ainda não completei o meu
álbum. Ok, deixando a ironia de lado, é verdade que estou
colecionando figurinhas. Para muitos amigos que bradam “Fifa go
home”, isso é uma heresia. Talvez seja mesmo, mas existe uma
nostalgia que me faz passar de corpo e alma por tudo que esta Copa
significa, mesmo que pareça um tanto contraditório.
Faço os álbuns da Copa desde 94,
tempos de Romário e Bebeto, quando as figurinhas ainda eram coladas
na base da cola Pritt. Meus pais me incentivavam a ir em frente,
colando os Lalas e Valderramas* da vida, mas não me passavam aquele
espírito “fominha” de fechar todas as páginas e ter um álbum
completo. Aprendi isso por conta própria em 2002, quando ainda não
tinha meu próprio salário e enchia a paciência do meu pai para
comprar, no mínimo, 20 pacotinhos todo domingo – na época que
cada pacote era baratinho.
94, Dieguito ainda estava lá. |
Sendo assim, de 2002 para cá tenho
tudo completo, mesmo que, dentro de minha senhora desorganização,
não saiba dizer ao certo aonde cada álbum está, com certeza em
algum lugar do meu bagunçado quarto. Até duas Copas atrás, quando
cursava o último ano do ensino médio, costumava trocar figurinhas a
rodo com o pessoal do colégio. Acho que rolava até um bafo, mesmo
que fosse coisa muito mais comum a gerações passadas. Na última
Copa, cursando meu terceiro período de Comunicação Social na PUC,
ainda era bem fácil trocar, mas agora, que já não tenho a
assistência paterna para a compra, que trocar figurinha não está
incluído na minha rotina, nem nos locais que convivo, meu ritmo está
lento.
Iniciei a jornada gastando meu salário
sem notar pelos pacotinhos de 1R$. A pilha de repetidas começou a
crescer rapidamente – o que me deixou nervoso, em parte porque via
meu dinheiro indo embora, em parte porque as repetidas aumentavam e
não havia troca. Então descobri um amigo para trocar e lá na
Gloria, onde fiz minha primeira troca: mais de 50 figurinhas. Para
quem não tinha sequer a metade do álbum (que tem mais de 600), foi
um sucesso absoluto. Naquele mesmo dia, o amigo falou que ali perto
havia um ponto de troca e que vendiam o álbum completo por um preço
alto (passei por lá e vi um rapaz vendendo com uma placa “Full
Album R$700”, ahhh!).
Mas só um amigo não seria suficiente
e a Gloria era distante para fazer trocas. Então reativei uma conta
no trocafigurinhas.com. Pois é, em algum momento na última Copa,
devo ter trocado figurinhas por ali, um site de troca de figurinhas
pela web. Doidera! Foram duas semanas indo aos correios e trocando
figurinhas com gente de São Paulo e de outros bairros distantes do
Rio (mais longe do que isso eu não botava fé. Imagina, trocar com
gente do Acre? Até minha correspondência chegar lá, o cara já
teria completado o álbum). Nesse meio tempo, saíram notícias no
jornal falando da febre e alguns pontos de troca, o mais próximo no
Shopping Leblon, mas já não tenho paciência para shoppings, para
trocar figurinhas, então, seria o cúmulo.
Um dia, passeando com o Quino, meu
beagle, passei por uma esquina coalhada de gente de todas as idades.
Precisei de algumas semanas até tomar coragem. Cheguei a entrar no
supermercado que fica ao lado, antes de parar e perguntar “alguém
quer trocar?” Até que perdi a vergonha e o que achei que seria
rápido me tomou mais de duas horas, olhando bolinhos de figurinhas e
pegando todas que necessitava.
No primeiro dia consegui mais de 100
(sendo que quando pisei lá faltavam mais de 180) e conheci todo tipo
de gente: uma moça estava “substituindo” o marido, que estava
com a perna quebrada; uma senhora estava ajudando o sobrinho, que
levou o álbum à uma festa e foi roubado; um cara tinha um fichário
com zilhões de figurinhas – provavelmente já tinha completado
vários e devia estar fazendo um mercado negro com eles; gente que já
estava completando o segundo álbum, além de uma criançada boa, que
me fez lembrar ainda mais da minha primeira coleção de 94.
Estou sem tempo para retornar àquela
esquina, mas sei que existem retardatários como eu. Ei de fechar até
o fim da primeira fase, não teria heresia maior do que pedir as
figurinhas que me faltam para a Panini, editora que organiza o álbum.
A verdade é que a gente cresce, gosta menos ou mais da Copa do
Mundo, mas a vontade de colecionar estará sempre ali. Talvez na
próxima eu me convença que já tenha passado “da idade”, mas aí
eu invento que é para um sobrinho, que foi roubado numa festa.
*Referência a Alexi Lalas e Carlos Valderrama, jogadores emblemáticos por seu visual e qualidade de futebol, que defenderam os EUA e a Colombia, respectivamente, em 1994. |
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