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sábado, 21 de abril de 2012

Os homens de Bronze de Alberto Giacometti

Aproveitei o feriado da Páscoa para quatro dias de Arte, Lollapalooza, boa comida e táxis para lá de inflacionados na cidade de São Paulo. O passeio não saiu nada barato (R$150 só de ingresso para assistir ao MGMT!), mas não tenho dúvidas de que tenha valido cada centavo: escutar a banda tocar “Electric Feel”, cercada por uma verdadeira tempestade de raios, foi o segundo ponto mais alto do feriadão.
O primeiro foi ver de perto o trabalho de Alberto Giacometti, artista suíço que viveu entre 1901 e 1966, que está em exposição na Pinacoteca até o dia 17 de junho. Dentre as inúmeras obras produzidas pelo artista - esculturas, gravuras, desenhos e pinturas - acredito que as mais surpreendentes sejam suas famosas figuras longelíneas, feitas em bronze ou gesso. Mais surpreendentes ainda são os diferentes tamanhos dessas criações: enquanto algumas foram produzidas em tamanho real, outras são tão pequenas como um dedão do pé. Outro aspecto interessante é o caráter “2D” dessas estátuas que, quando vistas de lado, são pouco volumosas, o que nos faz lembrar uma pintura, feita para ser apreciada de frente.

Foto da exposição, na Pinacoteca de São Paulo
Giacometti em seu estúdio
As intrigantes estátuas de Giacometti tem tudo a ver com as questões existencialistas que assolavam algumas das cabeças pensantes da época, especialmente as do amigo e filósofo Jean-Paul Sartre.  Segundo o próprio Sartre, Giacometti “foi o primeiro a esculpir o homem tal qual como o vemos, isto é, à distância. Cria sua figura a dez passos, a vinte passos, e o que quer que você faça, ela ali permanece”. Os rostos de suas esculturas também são bem característicos, como define a curadora da mostra, Véronique Wiesinger. “Ele junta todas as caras que vê em uma só. São visões construídas a partir de vários momentos, de rostos que desfilam pela memória dele.”
Não sei se foram os rostos impessoais ou mesmo a sensação de distanciamento causada por suas silhuetas que, como definiu Sartre, parecem mesmo formas difusas ao longe. Só sei que me senti, perante aquela multidão metálica, estranhamente só. 
Lembrei imediatamente da peça Huis Clos, ou “Entre Quatro Paredes”, escrita por Sartre em 1944. Na história, o filósofo discute as inquietudes da vida após a morte a partir de três personagens que se veem obrigados a conviver por toda a eternidade. Garcin, Estelle e Inês estão condenados ao inferno que, na peça, nada mais é do que uma saleta super bem decorada, com direito a mordomo e poltronas macias, em que o verdadeiro desafio reside na própria convivência entre os três. “O inferno são os outros”, escreveu Sartre. Ao longo da história, percebemos que o julgamento que uns fazem dos outros é o que os obriga a olhar dentro de si e enxergar aquilo que não queriam. E aí está o verdadeiro diabinho.
Ao pensar sobre as questões levantadas pela obra desses artistas, fiquei imaginando a estranha amizade que unia essas duas almas. Não seria o distanciamento das figuras de Giacometti a fuga perfeita para o inferno populoso de Sartre? É curioso como duas cabeças tão próximas podiam completar seus pensamentos através de obras tão distintas.
Jean-Paul Sartre
Alberto Giacometti, por Cartier-Bresson
Para os residentes de Sampa ou para os que estão de passagem, a exposição vale a visita: não é todo dia que temos a oportunidade de testemunhar com os olhos, ao vivo e em bronze, um diálogo entre gênios tão silencioso.

2 comentários:

  1. A dor nem sempre provoca ruído mas é difícil fugir de suas rugas.
    Como que convidado pelo seu texto, atravessei São Paulo no domingo cinzento, com o corpo enviesado por um vento arisco e um chuvisco inconstante. A Pinacoteca fica num lado interessante da cidade onde, estranhamente, por instantes, há horizontes onde nada se vê, exceto prédios de uma época que não nos pertence. As cúpulas e torres de relógios me remetem a um tempo onde as pessoas por ali passavam com seus chapéus, paletós amarfanhados e raros vestidos de tergal. Elas viviam o seu cotidiano como vivemos o nosso, acreditando que numa outra época as pessoas eram mais felizes. Ou procuravam ser.
    Estranho como os museus podem nos seqüestrar. Pode parecer óbvio para alguns pois, “claro, idiota, museu é um lugar que expõe o que se pensa valer a pena ou expressar algum interesse!”. Sim, mas isto não significa um rapto inequívoco. Para tal, a “obra” tem que ser “a obra”. E ali, na Pinacoteca, nestes dias de Giacometti, isto acontece.
    Já cruzei muitas galerias e corredores de museus pelo mundo. Não, nunca como um estudioso, expert ou dono de “connaissance” sobre os temas artísticos. Gostaria de saber mais, muito mais. No entanto, sou um leigo, totalmente leigo, sobre qualquer assunto ou escola artística de pintura, gravura, escultura, etc. Apenas aprecio e, vez por outra, como muitos, sou tocado por algo que se mostra diferente, único, singular.
    Assim é com Giacometti. Não sei quantas mas foram muitas as vezes que o encontrei por aí, seja numa esquina do Louvre, numa reta do Prado ou numa curva do Guggenheim. Melhor, melhor, houve uma vez que muito dele vi numa planície de andar no Pompidou.
    No Louvre, em 2011, sua obra “Walking Man I” foi exposta, misturada entre obras etruscas de 300 antes de Cristo. Havia semelhanças entre elas. E sentimentos distintos. Sim. A obra de Giacometti tem sentimentos. Distintos. A dor é presença constante. Pelo menos é o que vejo em suas figuras eretas, com rugas por todo o corpo, de expressões parecidas, quase semelhantes, praticamente iguais, idênticas. A expressão da dor e da solidão. Pessoas sozinhas num lugar sem nada e ninguém. Sim, ele fez esculturas onde há outras pessoas como a “Piazza” que vi em Nova York ou mesmo “A Clareira” que vi nesta exposição. Todavia, o que sempre vem à lembrança é a figura esguia de cabeça grande que está só no mundo. Ou no quadro de “Caroline em lágrimas”. Senti-me como você no seu texto, Mariana, só. E tal qual as figuras de Giacometti, partindo da Pinacoteca, o meu corpo caminhou de modo torto, oblíquo, atravessando o final de dia nimboso da capital paulistana. Saí em silêncio de lá, tocado pelas dores do artista e as minha. Pensando, pensando, pensando. Agradeço a sua dica e ao seu texto. E, claro, a Giacometti.

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  2. Estou imaginando como deve ter sido visitar a exposição num dia de chuva...

    Bom saber que dividimos o amor pelo Giacometti.

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