por Laura Tardin e Guilherme Schneider
Os meios culturais vivem se comunicando. É um tal de livro
inspirado em filme, filme inspirado em música, peça de teatro baseada em
livro... É claro que as músicas também
haviam de ter inspiração, direta ou indireta, em obras literárias. A parceria
de ideias existe sem contrato ou conhecimento mútuo - e alguns autores
estão separados por séculos. Também podem acontecer espontaneamente, sem que as partes compartilhem
seus interesses financeiros, sendo apenas uma forma de
inspiração ou homenagem. São muitos os exemplos possíveis, divididos entre
diversos estilos e origens musicais. Aqui, citamos mais de 20 exemplos,
separados em oito arquivos contendo faixas: um arquivo com músicas de
rock e pop; o seguinte, contendo músicas brasileiras; e o terceiro, contendo
músicas de rock pesado e metal.
1. Rush - Tom Sawyer
O título e a narrativa da letra têm a ver com o herói criado por Mark Twain. O ritmo
dá à música uma ideia de aventura, assim como ocorre nos três livros.
2. David Bowie - 1984
Que Bowie é um dos artistas mais ligados em ficção
(inclusive a científica), já sabemos. O cantor inglês tomou
base no livro 1984 para compor não somente a música homônima, mas todo o
disco Diamond Dogs, lançado em
1974. Bowie queria iniciar uma produção cinematográfica baseada no livro de George Orwell, mas os
detentores dos direitos autorais o impediram. Então, Bowie fez um
disco cheio de referências na história de Big Brother. 1984 também serviu de referência para outras bandas, como Muse (The Resistance, álbum de 2009) e Incubus (Talk Show On Mute,
2004).
3. Simon and Garfunkel - Mrs. Robinson.
A canção foi composta pela dupla e fez parte
da trilha sonora do filme A Primeira Noite de um Homem, de
1967, baseado no livro homônimo (The
Graduate, de Charles Webb, de
1963). A música é dedicada à Senhora Robinson, que trai seu marido com o
protagonista, Benjamin Braddock.
4. Velvet
Underground - Venus in Furs.
A banda dos anos 60 é cheia de referências às artes. Além
da capa do álbum de 1967 ter sido feita por Andy Warhol, o disco contava com
uma canção de título Venus in Furs -
assim como A Vênus de Peles, romance de Leopold Von Sacher-Masoch. A atmosfera da música é considerada sexy
pelo baixista John Cale e a letra toca em temas do universo sado-masoquista,
com botas de couro e açoites.
5. The Beatles
- I Am the Walrus.
Advinda
da fase mais lisérgica da banda, I Am the
Walrus surge no álbum Magical Mistery
Tour, de 1967. As referências da música podem não ser precisas, vindas de
sonhos e trechos de construção suspeita, e até os Beatles brincam com as
suposições de sua interpretação. John Lennon visita Alice no País dos Espelhos,
continuação de Alice no País das
Maravilhas, de Lewis Carroll (1871 e 1865, respectivamente), no trecho A
Morsa e o Carpinteiro. Na versão da
Disney de Alice, há uma cena contendo
os personagens. Outro fato curioso é que o rosto de Carroll aparece entre os que ilustram a capa do disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, de 1967.
6. The
Libertines - The Narcissist.
A letra critica as garotas modernas, preocupadas com
consumismo e vaidade. “They’re just narcissists/Oh,
what’s so great to be Dorian Gray every day?” Dorian Gray é o protagonista de O Retrato de Dorian Gray, escrito por Oscar Wilde em 1890. No livro, o belo protagonista vive por
diversas gerações sem nunca envelhecer, já que sua alma e seus erros estão
aprisionados dentro de um retrato dele.
7. Ramones - Pet Sematary.
Stephen King escreve Pet Sematary (O Cemitério Maldito)
em 1983, um de seus contos mais assustadores. O livro narra a história de uma
família americana que descobre que mora próximo de um
cemitério de animais, construído sobre um antigo cemitério indígena. Ali, é
possível trazer à vida animais mortos, o que traz diversos problemas aos
atormentados Creeds e seus filhos. King era fã e amigo dos
Ramones quando, em 1989, é lançado um filme
baseado no livro. Quem compõe a trilha sonora é ninguém menos que a banda
nova iorquina. A tríade se fecha quando os Ramones lançam em seu álbum
Brain Drain, de 1989, uma canção
também chamada Pet Sematary, cuja
direção do videoclipe teve uma mãozinha do escritor de terror. Portanto, clipe,
música, filme e livro têm tudo a ver.
8. The Police -
Don’t Stand so Close to Me.
Sting,
cantor e baixista, foi professor antes de fazer parte da banda britânica. A
letra conta a história de um professor assediado por jovens alunas, embora
Sting negue que a narrativa seja autobiográfica. Ele afirma que é inspirada no
livro Lolita, escrito pelo russo Vladimir
Nabokov em 1955. Há referências mais diretas à obra em músicas da banda The Veronicas ou na canção de Lana Del Rey.
9. Kate Bush - Wuthering Heights.
A cantora tomou base em Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë. Tendo visto o filme e lido o
livro ainda aos 18 anos, Bush descobriu que fazia aniversário no mesmo dia de
Brontë e compôs sua canção mergulhada na obra. “Heathcliff, It's me,
Cathy, I've come home/I'm so cold, let me in-a-your window”, canta Bush. A letra tem a personagem Catherine Earnshaw como narradora. No livro, Cathy é apaixonada por Heathcliff, mas se afasta
dele para se casar com Edgar por motivos financeiros. A canção tem como
premissa uma súplica feita de Cathy a Heathcliff para voltar, e a letra é
simplesmente Morros Uivantes por inteiro.
10. The Cure - Killing an Arab.
O
Estrangeiro, livro de Albert
Camus, inspirou diversas outras obras, entre elas A Revolta dos Dândis, do
grupo brasileiro Engenheiros do Havaí.
Na canção escrita por Robert Smith, líder da banda The Cure,é descrita uma
cena de assassinato na praia, a mesma em que Meursault, personagem de Camus, atira
contra um árabe num mesmo cenário (falamos sobre isso na marreta Plataforma, de Michel Houellebecq)
1. Pitty -
Admirável Chip Novo.
A cantora baiana inspirou-se em Admirável Mundo Novo,
livro de 1932 do autor Aldous Huxley,
para compor um álbum cheio de referências. A canção-título descreve um
hipotético futuro no qual as pessoas têm ações pré-condicionadas para que
prevaleça a harmonia entre homens e regras sociais - “pense, fale, compre,
beba, leia, vote, não se esqueça”. O livro também deu margens a outros títulos
nacionais, como Admirável Gado Novo, de Zé
Ramalho.
2. Caetano Veloso é um grande caso da música brasileira que se encaixa
aqui. Dentre suas inúmeras faixas, ele homenageia diversos poetas, usando suas
obras em trechos ou em letras inteiras. No caso de O Navio Negreiro, canta e
interpreta com sua irmã, Maria Bethânia, o poema do também baiano Castro Alves. A obra, escrita em 1869
pelo poeta de apenas 22 anos, faz parte da terceira parte do Romantismo
Brasileiro, citando questões abolicionistas. Já na música Os Argonautas, são
lembrados os versos do português Luís de
Camões e as palavras de Fernando
Pessoa, no famoso trecho “navegar é preciso, viver não é preciso”. Em outro
caso, Caetano cita Gregório de Mattos,
o Boca do Inferno brasileiro, em sua bela canção Triste Bahia, baseada num
poema homônimo.
3. Djavan - Alegre Menina.
A canção é interpretada
por Djavan, mas foi composta por Dorival Caymmi. Serviu como trilha sonora da
novela Tieta, baseada em Tieta
do Agreste, obra de Jorge Amado.
Recentemente entrou também na trilha da minissérie Gabriela, inspirada na também obra de Amado, de 1958, Gabriela,
Cravo e Canela.
4. Legião Urbana - Monte Castelo.
A
canção de Renato Russo é um diálogo com o texto do apóstolo Paulo, contido na Bíblia, e com o Soneto
11 de Luís de Camões (“o
amor é fogo que arde sem se ver...”). O título é uma referência à batalha de
Monte Castelo, realizada na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, onde os
pracinhas, soldados da Força Expedicionária Brasileira - FEB , foram, em sua maioria, dizimados.
5. - Lobão - A Hora da Estrela.
A música, lançada no
disco Nostalgia da Modernidade, de
1995, leva o mesmo título do último livro publicado pela escritora Clarice Lispector, de 1977.
1. Iron Maiden.
A banda britânica
simplesmente vale pelo conjunto da obra, privilegiando especialmente escritores
e obras inglesas. Murders of the Rue Morgue faz menção ao livro Os Assassinatos da Rua Morgue, de Edgar
Allan Poe. The Sign of the Cross se relaciona com O Nome da Rosa, de Umberto Eco. Brave New World, álbum de
retorno de Bruce Dickinson à banda, fala de O Admirável Mundo Novo,
de Aldous Huxley. Lord
of the Flies homenageia O Senhor das Moscas, de William Golding. Existem outras dezenas
de referências, que vão de filmes até a Rainha da Inglaterra.
2. Metallica.
A banda homenageia o autor H.P. Lovecraft em faixas como The Call of Ktulu, The Thing that Should Not Be e All
Nightmare Long. Outras
bandas de metal, tais como Iron Maiden e
Black Sabbath, também homenageiam o
autor americano.
3.Nirvana -
Scentless Apprentice.
A letra é baseada num dos livros favoritos
do cantor Kurt Cobain, O Perfume, de Patrick
Süskind, publicado em 1985 (veja a marreta deste livro). A canção é a única do álbum In Utero, lançado em
1993, a ser escrita por todos os componentes da banda, e não somente por Kurt.
A obra literária também teve influência em outras músicas, como Du Riechst so Gut, da banda alemã Rammstein
- título que quer dizer, justamente, “você cheira tão bem”.
4. Guns n’Roses - Catcher in
the Rye.
Lançado na nova fase do Guns, a música, com o mesmo
título de O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger, cria uma ponte entre Mark Chapman e o livro. O
assassino de John Lennon portava O Apanhador
ao cometer o crime (veja a marreta sobre o livro)
5. Blind Guardian.
Praticamente, a
banda faz homenagem a J.R.R. Tolkien e
sua obra. Em 1998, é lançado o álbum Nightfall
in Middle Earth, baseado inteiramente no livro O Silmarillion. No disco Somewhere Far Beyond, cujo título foi
inspirado na série The Dark Tower, de Stephen
King, são lançadas duas partes de The Bard's Song - In the Forest ou The Hobbit, também baseadas em Tolkien. Outras bandas fazem referências a
mundos fantásticos, como Rhapsody.
6. Achilles, Agony And Ecstasy In Eight Parts
- Manowar.
A maior música da banda, com nada menos de 28 minutos, conta, em
8 atos, a história da ira de Aquiles, texto atribuído a Homero em Ilíada. Também pensando em Homero, a banda Symphony X lançou em 2002 o álbum The Odyssey, cuja faixa título tem mais de 24 minutos.
7. Led Zeppelin.
A banda conta com algumas discretas, mas importantes
citações ao autor J.R.R. Tolkien. A letra de Ramble On, música do cd
II, de 1969, cita “Was in the darkest depths of
Mordor, I met a girl so fair/ But Gollum, and the evil one crept up and slipped
away with her”. Alguns comparam a
letra de Battle of Evermore com o livro O Retorno do Rei, último
livro da trilogia de O Senhor dos Anéis,
a partir de seus cenários e personagens épicos. Também há quem diga que Misty Mountain Hop contém referências a O Hobbit.
8. Pink Floyd - Animals.
É a
partir do lançamento deste álbum que a banda inglesa passa a usar um porco
gigantesco em seus shows. Assim como outros álbuns, Animals, de 1977, lança
diversos conceitos que servem para questionar. Baseado na obra de George Orwell, A Revolução dos Bichos, o
álbum do Floyd critica o capitalismo praticado na Inglaterra dos anos 70. O
porco é uma referência aos principais personagens do livro de 1945,e assim
aparecem nos títulos das músicas: Pigs on
the Wing, Dogs, Pigs (Three Different Ones), Sheep, Pings on the Wing (Part II).
As referências da histórica banda não pararam, é claro. Dizem por aí que o
filme O Mágico de Oz, baseado no
livro com o mesmo título de L. Frank Baum, fica perfeitamente sincronizado se
exibido junto com o álbum The Dark Side
of the Moon, de 1973.