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domingo, 17 de fevereiro de 2013

Meu primeiro balé: oriental e contemporâneo, no tradicionalíssimo palco da Opéra de Paris

Há alguns meses, estava reclamando que queria ir ao balé. Já havia assistido a uma ópera, no Municipal do Rio – uma montagem de La Bohème que me fez querer seriamente ir embora no intervalo. Mas balé, nunca. Então, no final do ano passado, dando uma olhada na programação da temporada 2012/2013 das óperas de Paris, reparei em um título que não só era completamente estranho para mim, como me pareceu interessante: Kaguyahime.

Kaguya-Hime – também conhecida como o conto do cortador de bambu – é uma lenda japonesa, cujos primeiros registros datam do século X, sendo assim uma das histórias mais antigas registradas no país. A Kaguya do título é uma menina encontrada ainda bebê dentro de um bambu, e que é criada em uma pequena vila onde todos acreditam que ela veio da lua.

Kaguyahime é também o nome do balé contemporâneo apresentado na Opéra de Paris nas duas últimas semanas. O teatro por si só já merece mais do que uma nota – chamado de palácio Garnier, é origem da planta do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, serviu de inspiração para Gaston Leroux escrever o famoso O fantasma da Ópera, e conta, desde de o início dos anos 60, com uma pintura de Marc Chagall na cúpula da sala de espetáculos.

Cúpula de Chagall
Ou seja: embora seja um ponto dos mais tradicionais de Paris (o que não é dizer pouco, considerando a história da cidade), a mistura de clássico e contemporâneo não é estranha à Opéra, que em 2010 acolheu em seu repertório a obra de Maki Ishii e Jiří Kylián – uma peça da qual eu pouco sabia quando fui assistir.

A ignorância, nesse caso, foi mesmo uma benção. Confesso ser do tipo que tem bloqueios com “arte contemporânea” (o mais “moderninho” que consigo curtir em artes plásticas tende a ser van Gogh). Mas Kaguyahime, assim como o palácio Garnier, é uma bela mistura de tradição e modernidade. A trilha, por exemplo, foi toda composta por Maki Ishii, compositor nascido em Tóquio e com grande parte da carreira passada em seu país de origem, apesar do grande contato com o Ocidente.

O trabalho data de 1985, quando o compositor tomou o conto clássico como ponto de partida para uma peça de dança. Ele incorporou instrumentos japoneses fortemente - a apresentação em Paris guarda até hoje a presença de percussionistas tocando taiko originais – instrumentos que foram primeiramente emprestados e posteriormente comprados. Taiko é um nome genérico para tambores em japonês, me diz o livreto da opéra, sempre tocados com bastões, e um grupo de percussionistas japoneses se junta aos intrumentos ocidentais no fosso da orquestra para criar a ambiência musical.

Também no fosso se encontram três flautistas – um shō, uma ryūteki e um hichiriki (espero que os gêneros estejam certos!) não apenas marcam o tema da protagonista, como também trazem mais um elemento de classicismo à composição. Os três instrumentos eram utilizados ao estilo gagaku, música de corte japonesa contemporânea ao conto. Como se, em uma leitura contemporânea da lenda de Artur, encontrássemos alaúdes, saltérios, ocarinas e mandolas entre instrumentos modernos.

A partir da trilha, o renomado coreógrafo tcheco Jiří Kylián criou sua versão do conto, transformando-o em algo mais acessível à sensibilidade ocidental moderna. Kylián simplificou a narrativa – o corpo de bailarinos representa apenas a protagonista, o imperador (Mikado) e um grupo de jovens (às vezes guerreiros, às vezes camponeses) – e se apoiou sobre os pontos de tensão da trilha para explorar uma cena de batalha, inexistente no conto original.

Primeiro ato, segunda cena: Os Pretendentes

Confesso que minha estranheza se encontrou aí. Sem saber bem o que esperar, a primeira cena – a descida de Kaguyahime da Lua para a Terra – me deixou um pouco esteticamente perdida. Mais de uma vez me peguei olhando mais para o fosso do que para o palco. O solo pouco a pouco foi chamando mais minha atenção, e quando a quarta e última cena antes do intervalo terminou, eu não acreditava muito que tinha acabado de assistir a quarenta minutos de balé contemporâneo.

Gostei do meu primeiro balé. Gostei muito. Voltando para casa, fiquei repassando as cenas na cabeça, as marcações dos tambores, os jogos de luz e sombra... Mas ainda quero um balé clássico para colocar no currículo.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Bill Cunningham


Por Raphaela Leite

Se alguém ama roupas, esse alguém é Bill Cunningham. Mas não a roupa de boutique, das vitrines e das páginas da Vogue. Bill ama as roupas que andam pelas ruas e que têm gente dentro. Bem antes da internet e dos chamados fashion bloggers, Cunningham vem registrando a moda da rua, com um olhar bastante autoral.

Bill largou a faculdade de Harvard nos fim dos anos 40 e se mudou para Nova York, onde se dedicou à publicidade. Pouco tempo depois, largou a carreira e montou seu atelier de chapéus e os assinava como William J. Antes de descobrir sua verdadeira vocação, Bill foi para guerra. Na volta, trabalhou como jornalista de moda e graças a um amigo, que o presenteou com uma câmera e o aconselhou que ele a usasse como um sketchbook - que é um livro de esboço, uma ferramenta de trabalho onde os artistas registram ideias, reflexões e inspiração -, Bill descobriria a sua paixão: a fotografia.

Há pelo menos 40 anos, Cunningham acorda, pega sua bicicleta e sai por Nova York, esperando o exato momento para o primeiro click do dia. Diz que nunca tem nada em mente e sai de casa sem expectativas: ele observa e espera a rua falar com ele.

Bill tem duas colunas no jornal NY Times, uma chamada On the Street, onde vemos o olhar do artista, como ele percebe uma tendência e passa a registrar tudo que esteja relacionado ao tema em destaque. Pode ser acessório, peça de roupa ou cor, desde que venha carregado de informação nova: uma tonalidade incomum, um formato diferente, um novo uso para uma peça resgatada de outros tempos ou uma estampa que remeta a outros universos gráficos.


Em sua outra coluna, Evening Hours, Bill registra eventos e festas filantrópicas da alta sociedade novaiorquina, mas que fique bem claro: ele não fotografa nada nem ninguém que não queira. Como fotógrafo, sempre deixa claro que não se importa com quem está por baixo das roupas, nem modelos, nem famosos o interessam, mas a roupa em si, e como ela se comporta nos diversos corpos que por aí circulam. Bill participa do processo todo de construção da coluna e faz questão de que tudo saia de seu jeito. Dizem que seu perfeccionismo enlouquece muita gente, mas faz parte de sua identidade como artista.



Para alguns, é difícil entender a visão e postura de Bill - mesmo quando está presente nos mais importantes desfiles e semanas de moda, ele nunca fica no meio dos fotógrafos, mas sim sentado com a audiência, esperando algum detalhe, que tanto pode ser um drapeado como um ângulo diferente.



Com um jeito doce e peculiar de enxergar a vida, Bill vive de maneira simples em um estúdio cercado de arquivos lotados de fotografias, provavelmente o maior arquivo fotográfico de comportamento e moda de rua do mundo. Ele próprio admite que a maioria dessas fotos nunca foram publicadas. Imagine só, durante os últimos 50 anos, ele vêm fotografando a mudança comportamental de uma das cidades mais influentes do mundo da moda em milhares de cliques diários.

Em 2010, Cunningham foi premiado pelo Ministro da Cultura francês como “Officier del'ordre des Arts et des Lettres” e, em 2011, o cineasta Richard Press produziu e dirigiu um documentário chamado “Bill Cunningham, New York”.


Hoje, aos 83 anos, Bill mantém sua rotina de acordar cedo, andar de bicicleta por Manhattan e fotografar o que mais lhe intreressa: roupas. Parece um trabalho cansativo para alguém com uma idade tão avançada, mas quando você encontra sua paixão, nem tempo nem idade importam.


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Só vou parar na quarta-feira

Para mim, qualquer interesse para o carnaval 2013 começou ontem à noite. Numa conversa de bar com amigos, rememorei cada verso de “Caciqueando” do Cacique de Ramos. Imediatamente me lembrei da av. Rio Branco tomada pelo vermelho e branco do Cacique em fevereiro de 2012.

Talvez você tenha imaginado que eu fosse iniciar um texto saudando “aqueles tempos”, mas na era do iPhone 5 – que já-já dá lugar a um Samsung Galaxy (concorrência) de uma geração mais recente. 2012 foi o ano em que descobri o Cacique de Ramos, quando provavelmente muitos leigos em carnaval de rua (como eu, que só conhece os blocos famosinhos, que todo mundo vai) também descobriram: o bloco foi tema da Mangueira, que fez o desfile mais animado da Sapucaí, repetiu a façanha da paradona da bateria, desta vez com inacreditáveis minutos cantados por toda a avenida, “sem atravessar”. Mas como não sou nem freqüentador nem entendido em escola de samba, minha descoberta aconteceu diretamente no “trabalho de campo”.


O bloco existe há 52 anos em Ramos, zona da Leopoldina ( bairro de Olaria), e contribuiu diretamente para o surgimento de grandes grupos de samba como Fundo de Quintal, e tem Beth Carvalho como madrinha. Seus desfiles acontecem na av. Rio Branco nas madrugadas de domingo, segunda e terça-feira. Além da natureza singela e da sinceridade, o Cacique me marcou por motivos maiores e mais pessoais - que seguem na história.

Ano passado, na manhã de sábado de Carnaval, minha vó, que já estava velhinha e doente, faleceu. Isso acarretou em um distanciamento da folia. Num primeiro momento pelo luto (ou tristeza), depois pelo respeito. Porém, meu pai (filho dela), falou que ela certamente ficaria feliz se eu não deixasse o meu carnaval passar e indicou que eu voltasse à festa.

Na noite de domingo eu voltei ao centro fora do compasso dos amigos. Apesar da compreensão deles diante da minha situação, era inevitavelmente querer algum apoio real, mas já suspeitava que o apoio viria da própria essência do carnaval.

Victor, Laís e Pedro, grandes entendidos da rodas de samba do Rio, avisaram: “Hoje tem Cacique de Ramos, vamos? Você vai ver o carnaval acontecer...”, e fui. Na imensa avenida Rio Branco, encontrei alguns foliões que não haviam sido vencidos pelo cansaço do dia e uma imensidão de índios com penas vermelhas e brancas... Passados os minutos da concentração, começou:

“Olha meu amor/ Esquece a dor da vida

 Deixe o desamor/ Caciqueando na avenida

Nesse ano eu não vou marcar bobeira

Vou caciquear só vou parar na quarta-feira

Na onda do cacique eu vou/ Pois caciqueano eu sou

Na onda do cacique eu vou/ Porque caciqueano eu sou!”


A coisa tem a força de um hino, mas nunca tinha ouvido aquela música, e naquele instante, nada conseguia conversar melhor comigo do que aqueles versos... Fui me afastando dos amigos pra contemplar o povo pulando a música, e as lágrimas foram inevitáveis. Realmente, não havia nada melhor para me consolar do que aquele bloco. Um ano inteiro de preparação (com um carro alegórico e fantasias) para desfilar três dias ali, assim como as grandes escolas de samba, mas, ao contrário do que se exibe no Sambódromo, bem longe de câmeras e camarotes, aonde as arquibancadas tornam-se o próprio bloco.


E assim, o Cacique surgiu para mim... Dois dias depois (na terça), lá estava eu – dessa vez mais tranquilo e levando mais amigos – pulando em meio aos “caciqueanos”. Este ano tem mais!

Após anos de carnaval, descobri um bloco que me fez imaginar a folia nos tempos que falavam de uma alegria que hoje em dia parece perdida, mas que ainda tenta vagar por aí – Cacique que o diga!



Nota: Fotografias do artista plástico Carlos Vergara, mais fotos aqui.